A calcinha branca

 

Como acontecia todos os dias, ao levantar Mariana abre a cortina do seu quarto e olha para fora, o tempo estava bom logo poderia ir caminhando até seu trabalho. Eram três quilômetros de caminhada, ela preferia isso a ser encoxada em um ônibus lotado. Além de evitar o assédio sexual, suas caminhadas ainda ajudavam a manter sua boa forma e contribuíam para manter seu corpo com aquelas formas que causavam inveja em muitas garotas.

Pela janela Mariana percebe que no edifício ao lado alguém a espreita por traz da fina cortina, ela já tinha se acostumado a isso. Provavelmente aquela pessoa já a tenha visto de roupas íntimas ou talvez até mesmo nua  em algum momento de descuido, mas já fazia tanto tempo que percebeu ser observada sem que tivesse sido abordada na rua ou em qualquer outro lugar que concluiu tratar-se de um voyeur inofensivo que no máximo deveria se masturbar ante a visão do seu corpo.

Ela estava intrigada, no dia anterior recebera uma correspondência misteriosa, o envelope era cor de rosa e dentro havia uma calcinha preta com um cartão que dizia: “Eu seria a pessoas mais feliz do mundo no dia que pudesse te ver tirando lentamente esta calcinha.” Ao pegar o papel sentiu um perfume muito sutil, um aroma que ela reconhecia não se lembrava de onde. O envelope tinha como remetente o mesmo endereço dela e havia sido postado dois dias antes na agência central dos correios. A calcinha era tamanho G, logo a pessoa imaginava sua bunda um pouco maior do que realmente era.

Quem poderia ter enviado aquela correspondência? Teria sido o voyeur do prédio vizinho, ou talvez fosse o cara da oficina mecânica? No caminho até o trabalho quase sempre via as mesmas pessoas. Poderia ter sido qualquer uma delas. Aguardaria alguns dias e observaria para tentar descobri quem era o autor da mensagem. Caso a pessoa começasse a importuná-la procuraria a delegacia da mulher para registrar uma queixa.

Após o café da manhã Mariana vestiu como de costume uma calça legging colada ao corpo, um top e calçando um par de tênis iniciou sua caminhada com destino ao trabalho.

Como acontecia em todos os dias o pessoal da loja de automóveis estava na porta aguardando sua passagem só para ficarem olhando para sua bunda. Teria sido algum deles que enviou a calcinha para ela?  Algumas vezes tentou mudar de calçada, mas o resultado foi o pior possível, porque do outro lado da rua tinha uma oficina mecânica e quando ela passava um mecânico ficava a cantarolar a musiquinha “ai se eu te pego, ai, ai se eu te pego”. Ela nem podia fazer nada porque a tal música tocava o dia inteiro nos rádios.

Mariana não podia se queixar do seu emprego, era a principal corretora de uma empresa especializada na venda de seguros e planos de saúde, tinha sua própria sala e era querida por todas as garotas que lá trabalhavam, a maioria em pequenos boxes do setor de televendas.

Cássia, a diretora do escritório era dois anos mais velha que ela e filha do dono que raramente dava as caras por lá. O único homem que efetivamente trabalhava no escritório era Pedro, ou “seu Pedrinho” como era conhecido por todas. De copeiro a eletricista e encanador, passando por contínuo Pedro era uma espécie de faz tudo. Pedro era um homem maduro, passava dos cinquenta anos de vida e sabia-se que era divorciado e vivia sozinho em um quarto de pensão nas imediações. Cassia já tinha cogitado demiti-lo, mas ele nunca deu motivos para isso.

Como acontecia todos os dias, quando Mariana chegou ao trabalho Pedro a aguardava na recepção.

—Bom dia dona Mariana, fez uma boa caminhada?

—Bom dia Pedro. Sim, foi uma boa caminhada.

—Já deixei em sua sala a garrafa térmica com água fervendo para a senhora fazer seu chá.

—Obrigada Pedro.

Enquanto caminhava para sua sala Mariana pensava: “puxa saco. Mais um que me aguarda só para me bajular e depois olhar para minha bunda. Teria sido ele quem enviou a calcinha?”

Mais de uma vez Cássia a tinha abordado sobre Pedro a aguardar todos os dias na recepção querendo saber se de alguma forma ele estava sendo “Inconveniente”.

—Não se preocupe com isso dona Cássia, ele só quer mesmo é me bajular e olhar para a minha bunda.

—Já te falei que não precisa me chamar de dona, me chame apenas pelo meu nome

—Eu não me sinto muito a vontade de trata-la pelo nome e por você, afinal a senhora é minha chefe.

—Você conhece tanto sobre o teu trabalho que nem me considero tua chefe e sim uma colega de trabalho, e quanto ao Pedrinho, você não se importa de ele te aguardar todos os dias só para olhar para tua bunda?

Se eu me importar com isso vou ter que brigar com muita gente.

—Bom, pelo menos ele demonstra ter bom gosto, mas se ele te incomodar me avise, por favor.

Mariana corou por causa do comentário que Pedrinho tinha com gosto ao admirar sua bunda. Será que Cássia também achava sua bunda atraente?

Cássia também era solteira. Sabia-se que há alguns anos ela namorava Erickson, o CEO de outra empresa da sua família. Todos sabiam que normalmente às sextas feiras ele a levava jantar em um badalado restaurante, e ela já o tinha acompanhado em algumas recepções promovidas pela empresa. Todos diziam que formavam um casal perfeito.

Durante o dia Mariana tentou se desligar da misteriosa carta que recebera, poderia ter partido de qualquer pessoa que a conhecia, inclusive de alguma garota invejosa do setor de televendas que quisesse a fazer perder o foco no trabalho e assim se favorecer.

Mariana e Ester, uma garota do televendas se tornaram amigas e costumavam almoçar juntas, naquele dia Mariana resolveu “sondar” sobre a possibilidade de a carta ter partido de dentro da empresa, só mentiu sobre teor da carta.

—Você parece preocupada Mariana. Está com algum problema?

—Ainda não sei se é problema, mas ontem recebi uma carta com uma declaração de amor. A pessoa não se identificou e o endereço do remetente não era verdadeiro.

—Uau! Uma declaração de amor de um apaixonado desconhecido. Se eu fosse você não ficaria muito preocupada, fique de olho nos garotos que conhece e logo vai descobrir quem foi que te enviou a tal carta.

—Você tem razão, amanhã já é sábado, não vou estragar meu final de semana com essa bobagem.

—O que pretende fazer no final de semana?

—Amanhã pela manhã faço faxina no meu AP., não gosto de estranhas mexendo nas minhas coisas. A tarde descanso, a noite vou ao cinema, e no domingo vou à piscina do clube dar uma reforçada no meu bronzeado.

—Você já está quase mulata, pretende sair de rainha da bateria em alguma escola de samba? —disse a amiga rindo.

—Quem me dera, não tenho talento para sambar.

—Pode ser que não tenha talento para sambar, mas com o corpão que você tem quem vai olhar para teus pés para saber se está sambando direito.

—Bondade tua amiga.

Durante o resto do dia Mariana não conseguiu esquecer a tal carta nem as conversas meio estranhas daquele dia. Primeiro Cássia elogiando sua bunda, depois a amiga do televendas elogiando seu corpo, tudo isso sem contar o hábito de Pedrinho a aguarda na recepção todos os dias. Precisava esquecer tudo aquilo, aquela carta estava transformando fatos corriqueiros em evidências de um crime.

Ao chegar no seu prédio naquela sexta feira, Mariana gelou ao ver na sua caixa de correspondência mais um envelope cor de rosa tendo como remetente o próprio endereço dela. Já no seu apartamento abriu o envelope e o conteúdo era idêntico ao anterior, um papel com a mensagem “Eu seria a pessoas mais feliz do mundo no dia que pudesse te ver tirando lentamente esta calcinha.”,  e uma calcinha tamanho G, só que dessa vez era na cor vermelha. Mais uma vez Mariana olhou a etiqueta da peça e constatou que de uma marca famosa, uma das mais caras do mercado. Aquela brincadeira estava ficando caro para quem quer que fosse que estivesse enviando aquelas cartas. Como fez com a carta anterior, recolocou a calcinha dentro do envelope e o guardou na sua bolsa.

Como acontecia em todos os sábados, antes de iniciar a faxina no apartamento Mariana recolheu suas roupas sujas e as levou para a lavanderia. Enquanto catalogava as peças o rapaz do balcão comentou:

—As garotas da lavanderia comentaram que o plano que a senhora paga prevê a lavagem de roupas íntimas e a senhora nunca trouxe nenhuma. Se quiser pode trazer que elas serão tratadas com o mesmo cuidado das demais peças.

—Minhas roupas íntimas prefiro eu mesma lavar imediatamente pois não gosto que fiquem sujas por mais de um dia.

Aquele comentário só serviu para adicionar mais um suspeito na lista de Mariana. Ela já era cliente daquela lavanderia há mais de seis meses, por que só agora ele veio falar de suas roupas íntimas?

Saindo da lavanderia passou em um hipermercado onde comprou uma persiana do tamanho da janela do seu quarto, depois telefonou para um senhor que realizava pequenos serviços pedindo que ele a instalasse ainda naquele dia. Pronto, agora o tarado do prédio vizinho nunca mais olharia para dentro do seu quarto.

Já no domingo, enquanto tomava banho de sol na piscina do clube teve a impressão que um dos guarda-vidas não tirava o olho dela. Até mesmo quando foi à lanchonete comprar uma água de coco teve a impressão que ele a seguiu com os olhos. Seria ele o tarado anônimo? —Meu Deus, estou ficando louca—, pensou Mariana.

Na segunda feira Mariana decidiu mudar de caminho ao ir para o trabalho, seriam duas quadras a mais, mas não passaria em frente a oficina e nem em frente a loja de automóveis. Seu dia transcorreu normalmente, até que ao voltar para casa mais uma vez encontrou na sua caixa de correspondência o envelope cor de rosa, só que dessa vez a calcinha era da cor lilás.

Na terça feira enquanto almoçava com Ester, Mariana resolveu abrir o jogo, precisava falar com alguém senão enlouqueceria.

—Se lembra quando eu te falei da carta com uma declaração de amor? Não foi totalmente honesta com você, não foi uma declaração de amor.

—E o que foi então?

E Mariana contou a Ester sobre as cartas e as calcinhas. — Não sei mais o que fazer Ester, estou ficando assustada.

—Já pensou em algum ex-namorado ou em alguma paquera que não deu certo?

—Namorado? Há bastante tempo não tenho nenhum. Paqueras? Bom, recebo cantadas o tempo todo, mas não lembro de ninguém que pudesse fazer esse tipo de coisa.

—Então, a melhor coisa a fazer é juntar todas as cartas e registrar uma queixa na delegacia da mulher, quem sabe uma investigação nos correios ou as imagens das câmeras de segurança possa revelar o culpado.

—Bem pensado Ester, amanhã trago todas as cartas e na hora do almoço vou até a delegacia da mulher aqui perto.

Naquele mesmo dia ao chegar em casa mais um envelope, e mais uma calcinha no tamanho G só que na cor amarela.

Mariana tinha perdido sua liberdade, na porta do apartamento agora tinha uma trava de segurança, a janela do seu quarto agora era fechada por uma persiana, se assustava com qualquer homem que entrasse junto com ela no elevador, precisava acabar com aquilo o mais breve possível.

Naquela quarta feira Mariana saiu de casa decidida a ir na delegacia, mas quando chegou na sua sala na empresa onde trabalhava notou algo que mudaria todos os seus planos para aquele dia, sobre sua mesa, ao lado da garrafa térmica com água quente deixada pelo Pedrinho havia um envelope cor de rosa com o seu nome escrito. No envelope não tinha selos dos correios nem endereço, estava escrito apenas: Para Mariana. Em Mãos. Muito ervosa Mariana pegou aquele envelope e rumou para a sala der Cássia, sua chefe.

—Bom dia dona Cássia.

—Bom dia Mariana, tudo bem com você? E já te falei que não precisa me chamar de “dona”.

—Prefiro assim dona Cássia, e não está tudo bem. Estou sendo assediada por alguém de dentro da empresa.

—Assediada como?

Retirando as cartas da bolsa Mariana jogou sobre a mesa de Cássia dizendo:

—Desde quinta-feira tenho recebido essas cartas na minha residência—, e jogando o outro envelope sobre os demais completou: —Hoje encontrei esta sobre a minha mesa.

 Abrindo uma das cartas, vendo seu conteúdo e lendo o bilhete, Cássia disse:

—Acho que sei quem fez isso—, e apertando o botão do intercomunicador disse a recepcionista: — Mande o Pedrinho vir imediatamente na minha sala.

Logo que Pedro entrou na sala, ela disse com um tom de voz bem autoritário:

—Quero que você me explique como este envelope foi parar na mesa da senhorita Mariana.

Se mostrando nervoso e confuso, Pedro disse:

—Não sei de nada dona Cássia, só entrei lá para deixar a água do chá.

—Senhor Pedro. — disse Cássia — As garotas do televendas vão entrar daqui uma hora, a recepcionista não sobe neste andar, logo só pode ter sido você que chega mais cedo.

—Juro que não fui eu dona Cássia, ele já estava na mesa dela quando levei a garrafa.

—Pois bem Pedro, creio que vou ter que te demitir, mas antes quero falar com meu pai que te colocou aqui. — E virando para Mariana disse: — Posso guardar esses envelopes como prova?

—Claro que pode, na verdade nada disso é meu.

Cassia abriu o armário atrás de si jogou as cartas dentro e virando para Pedrinho disse: Você pode assinar teu ponto e ir embora. Aguarde um comunicado meu.

Quando Pedrinho já ia saindo, Mariana o interrompeu dizendo:

—Um momento senhor Pedro, e virando para Cássia disse: Acabei de descobri quem foi que me enviou essas cartas, e não foi o senhor Pedro.

—Quem foi então? — Perguntou Cássia.

—Mande o senhor Pedro voltar ao trabalho que te conto no particular.

—Pedro, pode voltar para suas atividades, mas quero estabelecer novas regras: Não quero mais que aguarde na recepção a chegada da senhorita Mariana, e está proibido de entrar na sala dela sem motivo e sem autorização. Não quero nem mesmo que leve a água para o chá, se necessário eu mesma faço isso.

Logo que Pedro saiu, Mariana disse à Cássia:

—Quem me enviou as cartas foi a senhora, só não entendo o motivo.

—Como pode afirmar isso?

—Quando a senhora abriu o armário percebi três coisas, a primeira foi perceber o mesmo perfume que senti nos envelopes, a segunda foi o fraco desse perfume guardado dentro do armário, e a prova conclusiva são aqueles envelopes cor de rosa colocados ao lado do perfume.

 Abaixando a cabeça com voz embargada Cássia disse:

—Você tem razão, fui eu que te enviei as cartas, e agora estou morrendo de vergonha do meu ato.

—Não entendo por que a senhora fez isso.

—Por ciúmes. Não suporto a forma como o Pedrinho olha para você, e armei tudo para ter um motivo para demiti-lo já que ele é protegido do meu pai.

—Com ciúmes de mim? Mas a senhora não é quase noiva do senhor Erickson?

Com um sorriso malicioso nos lábios Cássia respondeu:

—Meu caso com o Erickson é na verdade uma farsa. Embora pinte de machão ele é gay. Na outra empresa do meu pai, onde ele trabalha a diretoria é homofóbica, por esse motivo pedi para sair de lá. Eu e o Erickson temos um acordo para manter as aparências. Meu pai não fica me cobrando para arrumar um namorado e a chefia do Erickson o deixa em paz.

—Tudo bem dona Cássia, só espero que essa confusão não coloque em risco meu emprego. Gosto de trabalhar aqui.

—Não se preocupe, teu emprego está garantido e tenha a certeza que eu não te assediarei.

—Posso ir agora?

—Claro, vá.

Abrindo a porta para sair, Mariana olhou para traz e disse:

—Cássia, eu só uso calcinhas brancas e meu tamanho é M.