Aquela semana

 

Eu não queria acreditar que depois de quase seis meses Leila voltasse a me procurar. Será que logo ela que me ensinou tanta coisa não entedia o sofrimento que sua partida me causou?  

Tenho que admitir que no começo eu só queria tirar uma casquinha dela. Meu negócio era comer a garota e dar o fora como já tinha feito com tantas outras, mas Leila é diferente de todas as outras garotas com quem me envolvi.  

Aos poucos com seu jeitinho brejeiro Leila me conquistou, e sem que eu me desse conta em apenas uma semana ela converteu aquele boizinho inconsequente que eu era no homem respeitável de hoje.

Pego novamente meu telefone celular e releio a mensagem que ela me enviou:

“Lembra que há seis meses te falei que talvez eu tivesse que fazer uma viagem? Pois é, tentei de tudo para evita-la, mas não consegui. Viajarei nos próximos dias, só falta marcar a data. Por favor, leia o e-mail que te enviei pois me sinto obrigada a justificar minha decisão de romper o relacionamento com você logo depois que parti”.

Decido não ler aquele e-mail e o excluo de minha caixa de entrada, telefono para Mariana, minha namorada atual e combinamos de nos encontrar logo mais à noite para assistir a um filme.

Mariana também é uma boa moça e gosto dela, mas o enorme buraco que Leila deixou no fundo da minha alma se transformou em um abismo entre mim e outras garotas.

Ainda me lembro quando a vi pela primeira vez. Leila estava sentada em um banco da praça diante do portão de entrada e saída dos alunos da faculdade. Ela olhava para o portão como se estivesse esperando pela saída de alguém. Lembro de ter me aproximado dela e perguntado:

—Está esperando a saída de alguém?

Como alguém que é pego de surpresa fazendo algo errado ela olhou para mim e respondeu:

—Ninguém especial, é que cheguei na cidade ainda hoje e estou me sentindo meio deslocada. Quando vi os alunos saindo foi quase que um remédio para diminuir minha solidão.

Naquele momento o homem que sou fechou os olhos e deu lugar ao predador.

—Se é companhia que busca, posso te convidar para tomar um café ou um refrigerante.

—Se puder me acompanhar a um local onde eu posso tomar um bom suco de laranja já me sentirei grata.

—Então, o que faz a gata sozinha nesta cidade cheia de feras? —Perguntei jogando o meu melhor charme.

—Estou à passeio me preparando para uma difícil jornada. Achei melhor descansar um pouco e pôr em prática algo que planejei para esses dias.

—Pode me contar seus planos ou é segredo de estado? — Disse tentando tocar na mão dela sobre a mesa.

Retirando a mão rapidamente ela diz:

—Por enquanto não vejo motivo algum para contar os meus planos a alguém que acabei de conhecer, e tem outra coisa, você é simpático, mas corre demais.

—Desculpe, é que é difícil me controlar estando ao lado de uma garota como você.

—Uma garota como eu? Você acabou de me conhecer.

—Você é linda, ou não sabe disso?

—Você está vendo só a embalagem. Acredite, se quer se dar bem na vida aguarde até os pacotes serem abertos para saber o que tem dentro.

No dia seguinte voltamos a nos encontrar, e o tema da conversa acabou sendo sexo. Quando disse a ela que não tinha nenhuma namorada fixa e que praticava sexo eventual onde os dois se divertiam sem compromisso algum, ela só balançou a cabeça e perguntou:

—Alguma vez você já fez alguma mulher gozar de verdade?

—Creio que sim, até hoje nenhuma reclamou.

—Depois que gozaram já olhou nos olhos de uma mulher percebendo um brilho de felicidade? Já viu alguma com lágrimas nos olhos e com um sorriso bobo na cara? Já mandou flores para alguma garota no dia seguinte agradecendo pela melhor transa da tua vida, mesmo que não seja verdade?

Ela estava certa no que dizia, eu dava tão pouco de mim que a maioria das garotas se afastava depois que eu as comia. Essa garota estava começando a mexer com as minhas estruturas.

—Eu ainda sou virgem—, disse ela, —Sabe por que?

—Falta de interesse pelo sexo?

—Não. Ainda sou virgem porque os namorados que tive sempre foram muito volúveis, dificilmente algum deles faria eu me sentir realizada, uma mulher verdadeira, completa e não apenas um deposito de esperma.

—Você não está exigindo demais dos garotos com quem namorou?

—Sabe com que se parecem a maioria dos garotos de hoje? — perguntou ela.

—Não faço a menor ideia.

—Parecem um galinheiro.

—Um galinheiro?

—É, um pinto e dois ovos cercados por meia dúzia de galinhas.

—Com essa conversa toda você quis dizer que eu não tenho a menor chance com você?

—Não sei. Tudo depende de você. Quero te pedir que leia um trechinho da bíblia.

—Um trecho da bíblia? Que pedido mais estranho.

—Leia: 1 Coríntios 13: 11. SE até o final desta semana quando devo partir você conseguir ser daquele jeito talvez eu te dê uma chance.

Logo que cheguei em casa peguei a Bíblia que minha mãe mantém na estante e li o trecho que ela me pediu:

“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.”

Naquele momento voltei a me questionar: Que tipo de pessoa eu sou e o que espero do meu futuro? Mais uma vez eu tinha que dar razão a ela. Com idade de vinte e três anos e prestes a me formar eu não passava de um meninão mimado. Estava na hora de mudar.

Durante aquela semana nos encontramos todos os dias, ela falava de misticismo, de meditação, de viagens astrais com a mesma desenvoltura que falava sobre a vida, a mim me dava a impressão que era uma anciã no corpo de uma garota. Sem que eu pedisse, passou um dia inteiro comigo me ajudando a estruturar melhor o meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso já que era meu último ano na faculdade.

Quando o final daquela semana se aproximava eu já me sentia mais centrado nas matérias da escola. Meus pais chegaram a comentar que eu estava mais atencioso com eles. Naqueles poucos dias Leila estava fazendo de mim um novo homem.

Ao mesmo tempo que eu me sentia mais alegre e confiante, me dava um nó na garganta ao pensar que no domingo ela partiria talvez para nunca mais voltar.

Que mistérios tem por traz daquela garota alegre e comunicativa, mas que que não consegue esconder a tristeza e uma grande dor por algo ou algum fato do passado?

Acredito que Leila veio para cá fugindo de algum relacionamento tumultuado e que a jornada a que se referiu era tentar se livrar dessa pessoa sem maiores traumas. Faz todo sentido, provavelmente ela não tenha conseguido se livrar daquela pessoa e agora se sinta ameaçada obrigando-a a viajar para bem longe.

Por que Leila não confiou em mim? Nem ao menos seu número de telefone verdadeiro ela me deu, o número que eu tinha era de um chip pré-pago que ela comprou aqui na cidade.

Foi difícil admitir, mas eu estava completamente apaixonado por Leila, e mesmo ela me alertando que partiria no domingo ainda tinha a esperança que ela voltasse em breve.

Meus lábios ainda queimam e sinto o gosto dela quando lembro do nosso primeiro beijo, para mim foi como se nunca antes eu tivesse beijado uma garota. Naquela sexta ela me lembrou que partiria no domingo e que gostaria de ter um sábado especial junto comigo. Não pensei que ela fosse aceitar, mas fiz a proposta assim mesmo.

—Meus pais viajam sábado de madrugada e só voltam na noite do domingo, ficarei sozinho em casa, que tal passarmos o sábado na piscina da minha casa?

Vi seus olhos brilharem quando ela deu um gritinho dizendo:

—Fantástica ideia, sempre quis passar um dia inteiro na beira da piscina acompanhada de um gatão como você.

Pego de surpresa pelo seu entusiasmo, arrisquei fazer mais uma proposta:

—Podíamos iniciar esse dia especial ainda hoje, indo à algum lugar onde possamos dançar e nos divertir um pouco.

 

Como ela aceitou levei-a a um restaurante que tinha música ao vivo e uma pequena pista de dança, e foi na pista de dança que eu senti pela primeira vez o calor e a energia do corpo dela colado ao meu. Diferente do que aconteceu com outras garotas eu não tive uma ereção, a necessidade que eu sentia era de protege-la e não comê-la. O restaurante era próximo à pousada onde ela estava hospedada, então decidimos ir caminhando. A rua estava deserta, e quando chegamos diante da pousada ela me surpreendeu mais uma vez, enlaçou seus braços em torno do meu pescoço e me beijou. Jamais esquecerei aquele momento, nunca antes tinha me sentido daquele jeito, foi uma explosão de sensações inexplicável. Jamais esquecerei a emoção que senti ao ver o brilho nos seus olhos depois do beijo. Ela se despediu com um ”até amanhã” e me deixou plantado ali com um sorriso idiota nos lábios.

Peguei-a na pensão no sábado logo cedo, ela já estava com biquini vestido por debaixo das roupas, levava apenas uma bolsa com roupas íntimas para vestir depois e artigos de higiene. Enquanto eu enchia o colchão flutuante, ela tirou as roupas e as arrumou em cima de uma cadeira e pulou na piscina, foi então que me surpreendi ao notar que ela não estava usando a parte de cima do biquini. Larguei o colchão já cheio na beirada da piscina, tirei minhas roupas ficando apenas de sunga e pulei na água. Entre beijos e abraços, com voz rouca ela me pediu para continuarmos no colchão de ar. Ela foi direto até sua bolsa, pegou uma tira de preservativos e um potinho de creme lubrificante vaginal, deixou-os ao lado do colchão e deitando sobre mim me pediu: “Me faça mulher, mas por favor seja gentil, é a minha primeira vez” E ali na beira daquela piscina foi que eu entendi tudo aquilo que ela tentou me ensinar durante a semana, vi aquele brilho nos olhos dela, vi aquele sorriso entre lágrimas de contentamento que muito além do monumental orgasmo que tivemos me fez sentir o homem mais realizado do mundo. Nem mesmo as 529 posições do Kama Sutra seriam capazes de me dar uma satisfação tão grande como a que senti no tradicional “papai e mamãe”, eu amava aquela mulher, sabia que ia perde-la, mas naquele momento nada disso importava.

Passamos a noite juntos, na manhã de domingo ela partiu, não deixou endereço e nenhum meio de contato, só disse que caso resolvesse seus problemas e não precisasse viajar voltaria.

Recebo uma nova mensagem de Leila: “Já faz uma semana que venho postergando minha partida, agora não posso mais esperar. Por favor, leia o e-mail que te enviei”.

Com o coração aos pulos resgato o e-mail da lixeira e o leio.

“Meu amor, creio que posso te chamar assim. Lembra-se quando te disse que ia por em prática algo que tinha planejado? Eu queria perder a virgindade com o melhor homem que encontrasse, e dei sorte de encontrar o melhor homem do mundo, você. Eu queria me sentir uma mulher completa deixando para traz todos os tabus e pudores infundados e com você consegui tudo isso. Meu único erro foi me envolver e permitir que você se envolvesse emocionalmente. Me apaixonei por você mesmo sendo um amor proibido. Nuca quis te usar nem te causar mal e espero que me perdoe se isso aconteceu. Eu tentei de tudo para evitar a viagem que te falei, mas não consegui. Estou de partida, minha família está organizando uma reunião para que os amigos se despeçam de mim e queria que você viesse, minha viagem não vai ser tranquila enquanto não ouvir de você que me perdoa por ter te usado daquela maneira. Por favor, venha na minha despedida, mas não tenha esperança de me convencer a ficar. Sei que está namorando uma boa garota, fique com ela, ela te fará feliz. Obrigada, Leila.”

Naquele momento tomo uma decisão, Leila foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, ela não merece ser desprezada dessa maneira. Pego meu celular e respondo a última mensagem recebida: ”Por favor, me mande o endereço onde posso te encontrar”

A resposta chega imediatamente: “Aí vai o endereço, a despedida será feita no salão paroquial da igreja. Estarei nos fundos do salão me despedindo dos meus familiares e amigos.”

A cidade onde ela está fica a menos de duzentos quilômetros de onde estou, em duas horas ou duas horas e meia chego lá.

Havia um movimento moderado de pessoas entrando e saindo do salão, nos bancos laterais vária pessoas sentadas. Caminho em direção aos fundos e fico horrorizado ao ver grandes castiçais com velas acesas, coroas de flores e um sarcófago, e dentro dele lá estava ela, Leila.

Paro ao lado do sarcófago e não consigo conter as lágrimas e entre soluços digo: ”Me perdoa, eu não fui digno de você, descanse em paz sabendo que fez de mim um homem melhor do que jamais fui”.

Uma senhora se aproxima de mim, coloca a mão sobre meus ombros dizendo:

—Você deve ser o Thiago, nos últimos seis meses ela falava de você o tempo todo.

—Como ela morreu? — perguntei.

—Quando te conheceu ela não te contou? Antes daquela viagem ela foi diagnosticada com um tipo de câncer muito agressivo, ela já sabia que tinha poucas chances de viver quando viajou. Ela ficou em coma durante a última semana inteira, mas parece que se recusava a morrer.

Logo que saio do salão recebo mais uma mensagem: “Esta será a última mensagem que te envio. Agradeço por ter vindo, agora posso partir em paz. Estou caminhando em direção à luz, não sinto medo, parto em paz com Deus, comigo e com o mundo. Adeus”