A cadeira vazia

 Olho para a cadeira vazia do outro lado da mesa e me pergunto: —O que estou fazendo aqui?

Sinto solidão. Como diz o refrão da antiga música, estou sozinha outra vez. Naturalmente.

Houve uma época que em torno desta mesa haviam três cadeiras, uma para mim, uma para minha mãe e outra para meu pai. Nunca houve uma quarta cadeira.

Respeitando nossa descendência inglesa, o chá da tarde era uma tradição na minha família.

Meu pai era uma pessoa alegre, sempre pronta a fazer uma graça ou criar uma piada nas situações mais diversas. Minha mãe, embora não admitisse era o tipo sonhadora e otimista, não cansava de dizer que as dificuldades eram degraus para nossa evolução.

Não tínhamos outros familiares no Brasil nem muitos amigos, mas sempre que alguém conhecido estivesse passando por dificuldades financeiras ou emocionais lá estavam eles para ajudar.

No centro da mesa sempre havia um vaso solitário com uma rosa aberta. Minha mãe preferia as rosas abertas aos botões. Ela dizia que botões representam sonhos e esperanças e as rosas a certeza do momento atual. Os botões eram promessas que se cumpririam ou não, e as rosas abertas a realidade sobre a beleza e a grandeza da nossa vida.  Para ela cada pétala que caia só vinha nos lembrar que devíamos aproveitar cada segundo do momento atual, porque nada neste mundo é eterno.

Quando meu pai partiu deste mundo, ficaram na mesa apenas duas cadeiras, uma para mim e outra para minha mãe.

Mesmo a cadeira do meu pai não estando mais ali, ele sempre foi presente em nossas conversas, foram raros os dias que não falamos dele.

O tempo não perdoa, e assim como acontecia com as rosas, dia após dia via minha mãe perdendo o viço, era como se a cada dia caísse uma pétala daquela linda flor que ela foi no passado.

 Assim como as rosas murcham e morrem, chegou o dia em que minha mãe partiu para se juntar ao meu pai no jardim celestial.

Logo após a partida de minha mãe, retirei tanto a cadeira como o vaso solitário, mas em alguns dias me dei conta do meu erro, pois a ausência do vaso e da cadeira só aumentavam a minha sensação de solidão, e assim os recoloquei em seus devidos lugares. Mais uma vez a mesa do chá me parecia completa, a cadeira representava a estabilidade e a segurança que eu via em meu pai, e o vaso com a rosa a energia, a beleza e o amor vivido por minha mãe.

Um dia sem que eu me desse conta, alguém entrou no vácuo da solidão deixada pela ausência dos meus pais. Assim como as abelhas, esse alguém polinizou as flores do jardim da minha vida que mais uma vez se encheu de cores e alegria.

Devagar essa pessoa se infiltrou em minha vida e ocupou a cadeira que um dia foi do meu pai.

Não sei qual foi o exato momento em que substitui no vaso solitário a rosa do hoje pelo botão da esperança. Eu degustava cada palavra dele, parecia que estava vivendo do néctar que ele me fornecia em abundância.

Nesta mesa nós rimos, choramos, sonhamos.

Nesta mesa trocamos nossas histórias, sonhos e esperanças.

Nesta mesa visualizamos um futuro próspero e feliz.

Eu era feliz, e isso era o que importava. Troquei novamente o botão da esperança pela rosa aberta do hoje.

Até meus amigos perceberam a grande mudança que acontecia em mim. Eu era mais carinhosa, mais calma, mais alegre.

De repente a coruja da árvore da minha vida bateu asas sendo seu galho ocupado por um lindo e cantante canário, mas na vida até os canários batem asas e se vão.

Hoje eu olho para traz e me pergunto: — O que deu errado?

O jardim do nosso amor secou por falta de rega?

Houve falta ou excesso de fertilizante?

Ele era uma planta que não se adaptou ao bio-sistema da minha vida?

A culpa teria sido da cadeira, essa cadeira tão antiquada que não oferece o conforto das cadeiras anatômicas modernas?

A cadeira estaria tão impregnada da energia das pessoas que foram importantes para mim causando nele uma overdose que nocauteou nosso amor?

A verdade é que ele se foi. Como as aves que se assustam com os espantalhos, ele bateu asas e sem qualquer explicação voou para longe de mim.

Cá estou eu, sozinha outra vez, naturalmente.

Olho para a cadeira vazia que um dia representou amor e proteção e vejo que ela se transformou em um símbolo de abandono e solidão.

Resoluta levanto da mesa, retiro a cadeira encostando-a em um canto da sala, ligo para a floricultura encomendando um buquê composto de rosas e botões, porque minha vida deve ser mesclada com o agora e o amanhã.

Saio da sala com mais um proposito na minha vida, se alguém quiser sentar-se à minha mesa que venha com um buquê de rosas nas mãos, e traga sua própria cadeira.