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A Bolsa laranja - Conto

Benigno era um homem sistemático. Levantava da cama todas as manhãs rigorosamente no mesmo horário. Seu desjejum era sempre igual, uma fatia de presunto entre duas fatias de pão de forma acompanhado de uma xícara de café preto e sem açúcar. Benigno detestava leite e seus derivados. Após o desjejum cortava a barba, tomava um demorado banho, vestia um terno cinza, uma camisa branca e uma gravata cor de vinho e ia para o trabalho.

Benigno trabalhava em uma repartição pública, se o terno era obrigatório a cor cinza era uma escolha pessoal. Seus colegas de trabalho faziam piadas dizendo que ele só tinha um terno, que o usava de segunda a sexta, lavava no sábado para que no domingo estivesse pronto para ser usado na missa.

Outra constante na vida de Benigno eram as missas dominicais. Religiosamente ele chegava na igreja uma hora antes do início da missa para garantir que seu lugar preferido estivesse livre. Benigno sempre se sentava na primeira fila bem em frente a tribuna dos leitores.

A entrada dele na igreja era quase que ritualística, ao invés de uma genuflexão ele se prostrava de joelhos   diante do corredor central, fazia o sinal da cruz lentamente, levantava e seguia com passos firme e cabeça erguida até seu banco predileto, onde de joelhos fazia uma breve oração.

As colaboradoras e colaboradores da igreja já estavam acostumados com esse ritual e sabiam que não adiantava dizer palavra alguma a Benigno antes que ele fizesse sua oração, ele simplesmente não respondia.

Depois da oração Benigno pegava uma edição de bolso dos evangelhos e se punha a ler.

A atenção de Benigno só mudava de foco quando ela chegava. Com a altivez de uma rainha Eudóxia entrava na igreja e ia diretamente ao altar, onde após uma genuflexão verificava se tudo estava de acordo para a celebração da missa. Quinze minutos antes do início da missa ela ia até uma saleta na entrada da igreja onde tanto ela como o restante da equipe litúrgica e até o sacerdote se paramentavam entes da procissão de entrada.

Já beirando a idade de trinta anos Eudóxia era uma mulher emblemática. Embora fosse muito bonita jamais se teve a notícia que ela tivesse namorado um único homem. Além de bonita ela também se vestia com esmero, um taier cuja saia ia até quatro centímetros abaixo dos joelhos e invariavelmente em cores escuras, camisas de mangas longas abotoadas quase que até o pescoço e sapatos scarpin pretos com saltos grossos de nove centímetros. Não usava anéis nem brincos, a única joia que se permitia era uma fina corrente de prata com um crucifixo. A única coisa que destoava do visual impecável de Eudóxia era aquela enorme bolsa na cor laranja. Quando certa vez foi questionada sobre a cor da sua bolsa, meio que constrangida ela disse que em sessões de cromoterapia foi sugerido que ela usasse roupas naquela cor para se energizar, mas se recusava a usar roupas laranja, então optou pela bolsa.

Eudóxia participava das missas somente aos domingos, mas duas vezes durante a semana ia à igreja participar de reuniões com a equipe litúrgica e com o coral.

Com idade um pouco acima dos quarenta anos, Benigno sonhava em um dia ter um relacionamento um pouco mais íntimo com Eudóxia, mas faltava-lhe coragem para se aproximar e, assim, aquele amor platônico crescia a cada dia que passava.

Alguns místicos dizem que o universo costuma conspirar para que certos eventos ocorram, e em um jantar beneficente promovido pela igreja, Benigno e Eudóxia foram colocados na mesma mesa e assim começou o relacionamento há muito desejado por ele.

Daquele encontro casual nasceu uma amizade e a amizade evoluiu para um namoro.

Com exceção dos dias que ela tinha atividades na igreja, eles se viam diariamente, pois havia tanta afinidade entre eles que quem os conhecia afirmava que eram almas gêmeas.

Seis meses depois de se conhecerem, Benigno a pediu em casamento e ela com um sorriso tímido disse que aceitava desde que ele não implicasse com sua bolsa laranja.

O casamento foi simples, ela de vestido de noiva tradicional e ele de terno cinza e gravata cor de vinho.

Antes do casamento ela já tinha confessado a ele que não era mais virgem, mas que tinha pouca experiência sexual, e ele por sua vez admitiu que poucas vezes na vida tinha tido relações sexuais.

Assim por algum tempo, o casamento deles seguia sem sobressaltos. Ele trabalhando na repartição pública e ela no salão de beleza onde era cabeleireira e manicure. Faziam sexo apenas uma vez por semana, mas a relação era morna, quase fria. As relações deles estavam mais para bolero do que para show de rock, mais para aperitivo do que para uma refeição completa.

O tempo foi passando e junto com ele as relações sexuais foram diminuindo em frequência e intensidade. Ele chegava do trabalho, se banhava e após o jantar sentavam diante da TV para assistir uma novela. Terminada a novela iam dormir sem nem mesmo um beijinho como outrora. Sexo agora era uma ou duas vezes por mês.

Tentando melhorar o relacionamento, certo dia ele a convidou para irem assistir uma peça no teatro. No início ela não queria porque achava que aquilo era coisa de rico e o ingresso era muito caro, mas acabou concordando. Quando já estavam de saída, pela primeira vez Benigno implicou com sua bolsa laranja e resoluta Eudóxia disse que todo resto da sua vestimenta era negociável, menos a bolsa. —Ou eu vou com esta bolsa ou não vou disse irritada.

A situação estava ficando insustentável, quase não se falavam, e agora além da igreja e do salão ela também atendia em domicílio fazendo pés e unhas de algumas clientes.

Benigno estava à beira do desespero, tentou voltar a estudar e sob essa desculpa muitas vezes chegava mais tarde em casa. Eudóxia não falava nada, mas percebia que na maioria das vezes que ele chegava tarde em casa estava cheirando a álcool.

Se valendo da liberdade que tinha e da cumplicidade dos seus colegas de trabalho, em algumas tardes Benigno deixava o trabalho e ia a algum prostíbulo na periferia buscar a companhia e talvez alguma experiência que pudesse reavivar se relacionamento com Eudóxia.

  Eudóxia também havia mudado muito, pela manhã trabalhava no salão, a tarde quando não tinha atividades na igreja ia atender alguma cliente em domicílio. A noite já não mais assistia novelas, preferia ficar nas redes sociais conversando com as suas recentes amigas.

Com o aumento da renda proporcionada pelo trabalho em domicílio, Eudóxia já podia se dar ao luxo de usar algumas semijoias, e assim com exceção dos dias em que ia na missa era comum vê-la ostentando além da fina corrente, pulseiras e brincos.

Eudóxia dizia que amava seu marido. Quando ele contestou sobre as joias ela disse que só estava tentando ficar mais bonita para ele. Irritado, Benigno disse que se quisesse ficar mais bonita deveria em primeiro lugar se livrar daquela ridícula bolsa laranja. Depois disso ficaram uma semana sem trocar uma única palavra.

Depois de uma longa conversa com um amigo mais velho e, seguindo o conselho dele, Benigno tomou uma decisão, talvez a mais sábia desde que se casara, iria a um prostibulo distante cinquenta quilômetros de sua casa fazer uma “espécie de despedida de solteiro”, depois tentaria a todo custo melhorar seu relacionamento com Eudóxia, afinal ele a amava só que não soubera gerenciar sua vida de casado.

Aquele era o dia em que sua mulher atendia em domicílio, assim saiu do serviço logo depois de almoço e deu uma passadinha rápida em casa onde tomou um refrescante banho, se perfumou e rumou em direção ao prostíbulo.

O local era localizado em um bairro nobre da cidade e mais parecia uma clínica médica que um prostíbulo. A recepcionista disse que a prostituta que iria atendê-lo gostava de entradas teatrais, assim ele deveria entrar no quarto, se despir ficando apenas de cueca e aguardar a saída dela do vestíbulo.

Apreensivo Benigno subiu a escada e entrou no quarto e diante do que viu teve um infarto fulminante caindo ao lado da cama.

No corredor do prédio se ouviu um grito estridente, e quando a cafetina entrou no quarto se deparou com o corpo de Benigno estendido no chão, a prostituta usando apenas lingerie estava em pé e tremendo muito e sobre a cômoda uma enorme bolsa laranja.

Por S. Esteves