Matilde chegou cedo demais para a entrevista que poderia lhe garantir um bom emprego naquela escola luso brasileira. Pudera, vinda de Lisboa estava há pouco mais de um mês no Brasil e ainda não se adaptara plenamente à diferença de quatro horas no fuso horário.
Em circunstâncias normais, naquele horário a escola estaria cheia de vida com a criançada entrando nas salas de aula, mas as férias ainda não haviam terminado, e além dela na escola só tinha mais uma pessoa, a secretária que a atendera.
Sem se importar com o tempo que teria que esperar, Matilde sentou-se em um banco diante de uma enorme mesa onde normalmente os alunos faziam suas refeições, abriu um livro e tentou ler um pouco, mas mal começou a ler quando ouviu passos, e viu um homem que aparentava ter cerca de quarenta anos de idade se recostar no muro e ficar olhando em sua direção. Ela se sentiu incomodada com o modo que aquele homem a observava. Seria ele alguma espécie de maníaco, ou talvez fosse seu vestido rosa que lhe chamara a atenção?
Matilde tentou se concentrar no livro que estava lendo, mas seus olhos teimavam em olhar para o desconhecido. Maníaco provavelmente não era, talvez fosse somente um quarentão buscando um relacionamento com uma garota mais nova. Analisando melhor o desconhecido ela ficou um pouco mais tranquila, ele aparentava ser um professor que como ela devia estar esperando o horário para uma entrevista.
A insistência daquele homem em olhar para ela a estava incomodando, talvez fosse melhor ir até à secretaria e relatar o que estava ocorrendo, mas se fizesse isso e o tal homem fosse apenas um professor aguardando o horário da sua entrevista, o pessoal da escola poderia ter uma visão negativa a seu respeito, então melhor seria tentar ignorar o tal homem.
Encostado no muro do pátio da escola, Tiago observava aquela jovem mulher que usava um vestido cor de rosa um pouco chamativo para seu gosto, estaria ela também aguardando para ser entrevistada pela diretora da escola?
Talvez pela aparência ou pelo vestido rosa, a garota lhe lembrou Mariana, sua primeira grande paixão quando ele ainda vivia e estudava em Porto Alegre, sua terra natal. Mariana passou pela sua vida feito um trem bala. Uma visão majestosa, uma lufada de vento, um forte zumbido e em pouquíssimo tempo desapareceu sem deixar vestígios.
Tiago conheceu Mariana no último mês do ano letivo, ela com dezesseis anos cursando o ensino médio, e ele com dezoito já se preparando para o ensino superior.
Mariana era linda, tudo no seu rosto era proporcional e bem distribuído. Seus olhos verdes expressavam a força das pessoas que sabem o que querem, cabelos castanhos muito brilhantes, encaracolados e sempre muito bem penteados. A única coisa que destoava era a insistência dela em usar vestidos quase sempre na cor Rosa Choque que a seu gosto eram chamativos demais.
Na primeira semana depois que a conheceu, ele a auxiliou nos estudos de algumas matérias onde ela estava encontrando dificuldades. Durante os estudos acabaram criando uma forte ligação. Na segunda semana começaram a namorar. Estavam namorando há uma semana quando fizeram amor. Na quarta semana iniciaram as férias escolares e ele partiu com os familiares em uma curta viagem. Na quinta semana quando voltou de viagem soube que ela junto com a família tinha se mudado para algum local desconhecido. Mariana nunca mais deu notícias.
Por onde andaria Mariana agora? — Pensava Tiago. Teria se casado? Provavelmente sim pois estaria com quase quarenta anos de idade. Era feliz com seu marido? Teria filhos? Ainda se lembrava dele todos os dias como ele lembrava dela? E a pergunta que o atormentava há mais de vinte anos, por que ela partiu sem dar satisfação alguma e por que nunca mais entrou em contato? Certamente Mariana nunca o amou, se o amasse não teria fugido dele daquela forma.
A garota de vestido rosa podia lembrar Mariana, principalmente por causa do vestido e do ambiente escolar
. Definitivamente a garota lembrava, mas não era Mariana, mas para o bem ou para o mal a presença dela desenterrou do fundo de sua alma emoções há muito sufocadas.
Matilde ficou apreensiva quando notou que o estranho caminhava em sua direção. Fingindo que não tinha percebido sua aproximação tentou prestar atenção no que estava lendo. Disfarçadamente ela descalçou os sapatos de salto alto se preparando para fuga caso aquele homem tentasse alguma coisa.
O tal homem se aproximou da mesa perguntando:
—Algum problema se eu me sentar para a gente conversar um pouco enquanto aguardamos?
—De forma alguma — respondeu Matilde. — Isso pode até ajudar a matar o tempo.
—Estou aguardando o horário da entrevista, mas parece que cheguei cedo demais.
—Eu também — respondeu Matilde. O senhor é professor?
—Sim, mas mesmo sendo professor há décadas, sempre fico muito ansioso quando estou tentando uma nova vaga. E você?
—Estou tentando uma vaga para ensinar história e cultura portuguesa, minha terra natal. Além desta escola, ainda tenho mais duas entrevistas, uma hoje à tarde e outra amanhã pela manhã.
—Que ótimo. Há quanto tempo mudou para o Brasil?
—Na verdade não mudei, devo ficar aqui por dois anos para concluir um doutorado, depois volto para minha terra.
—Ora pois, como dizem os teus patrícios, somos dois longe de casa.
—O senhor não é brasileiro?
— Sou brasileiro sim, porém não de São Paulo.
—De onde o senhor é?
—Sou de Porto Alegre, vim para São Paulo porque as oportunidades de trabalho são maiores.
—Que coincidência, eu sou portuguesa, mas minha mãe é brasileira de Porto Alegre.
—Coincidência mesmo.
—Minha mãe sempre fala muito do tempo que viveu em Porto Alegre, deve ser uma boa cidade para se viver.
—Eu gosto de Porto Alegre. Dizem os estrangeiros que o clima é mais parecido com o da Europa do que nos estados mais ao norte, mas isso não posso afirmar porque nunca fui à Europa.
Nesse momento, um carro estacionou na vaga da diretoria da escola e duas mulheres desembarcaram.
—Parece que a diretora chegou, logo devem nos chamar—, disse Tiago.
Nem bem Tiago terminou de falar, a funcionária da recepção se aproximou dizendo para Mariana se encaminhar para a sala da diretoria para a entrevista e pediu a Tiago que aguardasse na recepção.
Enquanto aguardava, Tiago se questionava sobre a ironia da situação. Decidiu mudar-se para São Paulo na tentativa de dar um novo rumo à sua vida. Depois de Mariana teve vários relacionamentos, por duas vezes chegou a se casar sem nunca encontrar a felicidade. Estava divorciado há um ano do seu segundo casamento e pretendia jamais repetir a experiência.
—Por que agora? Perguntava ele. —Por que essa garota tinha que aparecer e trazer à tona sentimentos que ele tentava sufocar há mais de vinte anos?
Antes de Mariana sua vida era vazia e sem qualquer objetivo, depois dela se transformou em um enorme deserto com um sol causticante durante o dia enquanto ele buscava um Oásis, e um frio que congelava até sua alma durante as intermináveis noites.
Logo depois do desaparecimento de Mariana ele tentou localizá-la sem sucesso por toda Porto Alegre e na maioria das cidades gaúchas. Depois do advento das redes sociais, incansavelmente postou sua história na tentativa de que ela lesse e entrasse em contato, mas nada aconteceu. Agora, depois de mais de vinte anos, tinha decidido enterrar Mariana para sempre, mas essa garota apareceu e novamente suas estruturas foram abaladas, Tiago tentou se recompor pensando que mesmo que o aparecimento dessa garota o tivesse abalado, ele haveria de conseguir dar um novo rumo à sua vida.
Pelo corredor ele ouviu passos e Tiago avistou a garota de vestido rosa se aproximando da recepção dizendo a ele:
—A diretora pediu que avisasse o senhor para ir até à sala dela para a entrevista.
—E como foi lá? — Perguntou ele. — Conseguiu a vaga?
—Ainda ficaram umas divergências para resolver, se a proposta das outras escolas for melhor não devo ficar por aqui.
—Antes de nos despedirmos tenho mais uma curiosidade a teu respeito, você falou que tua mãe é gaúcha, e teu pai também é?
—Eu não conheci meu pai e pouco sei dele.
—Que triste, o que houve com ele?
—Até onde eu saiba não deve ter acontecido nada. Minha mãe tinha só dezesseis anos quando mudou para Portugal, seu namorado ficou aqui no Brasil. Chegando em Lisboa ela descobriu que estava grávida, então decidiu não contar nada ao meu pai, pensou que seria um constrangimento desnecessário, então rompeu o contato com ele definitivamente.
Tiago gelou. Seria aquela garota filha de Matilde e sua filha? Caso fosse não tinha a menor ideia do que poderia fazer a respeito.
—Qual o nome da tua mãe e do teu pai?
—O nome da minha mãe é Mariana e o namorado que ela deixou aqui no Brasil era Tiago. Agora preciso ir, ainda tenho mais uma entrevista hoje.
Nesse momento a secretária interviu dizendo:
—Professor, é melhor o senhor se apressar, a diretora detesta ficar aguardando uma pessoa que ela mandou chamar.
Cabisbaixo, Tiago seguiu pelo corredor para ser entrevistado.