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sábado, 6 de janeiro de 2024

O Mundo perfeito - Conto

janeiro 06, 2024


Mal terminou a gravação do clipe da banda de rock criado exclusivamente para divulgação dos equipamentos para efeitos visuais criados pela empresa de David quando ele e Chloe, sua influenciadora digital e namorada saíram para jantar.

—Muito bem espertinho, há realmente algo importante no teu sítio que queira me mostrar, ou está querendo só me enrolar para me levar para o “matinho”? —Perguntou Chloe divertida enquanto aguardavam serem servidos.

—Embora te levar para o “matinho” seja uma ideia tentadora, o que quero te mostrar é algo intrigante e preciso de alguém de confiança para me dizer se o que andei vendo era real ou coisa da minha cabeça, mas antes de continuar me responda: Você sabe o que é uma Gaiola de Faraday ou uma bobina de Tesla?

—Já ouvi falar, mas não faço a menor ideia do que são essas coisas.

—Resumindo, a bobina de tesla é um transformador de energia de alta potência que pode gerar faíscas semelhante a raios. A gaiola de Faraday basicamente é uma caixa ou gaiola que serve de blindagem eletrostática, bloqueando a entrada e saída de campos eletromagnéticos.

—E o que isso tem a ver com minha ida ao teu sítio?

—Lá no sítio eu tenho um galpão onde faço a maior parte dos meus experimentos para desenvolver novos efeitos visuais. Recentemente eu estava trabalhando no desenvolvimento de um novo equipamento para efeitos especiais que usa entre outras coisas a bobina de Tesla para gerar raios e uma gaiola de Faraday para proteger o entorno do equipamento dos campos eletromagnéticos por ele gerados. No começo tudo ia bem, mas fui aumentando a tensão na bobina para me certificar que com uma potência maior o campo magnético não conseguiria “escapar” da gaiola. Quando liguei a máquina de fumaça mantendo os leds desligados, se formou um nevoeiro como era de se esperar, só que dentro dele apareceu uma fraca imagem que parecia um declive e um campo com uma montanha ao fundo.

—E aí, o que você fez?

—Fiquei confuso, pensei em aumentar a potência, mas já era tarde e eu já estava muito atrasado para um compromisso, então desliguei tudo e fui embora.

—E o que espera que eu faça lá?

—Pretendo acionar o equipamento com você observando. Quero saber se aquela imagem realmente apareceu, se foi fruto da minha imaginação ou o equipamento pode ter provocado isso no meu cérebro a exemplo do que fazem os infrassons.

—Ok. Nesse final de semana desvendaremos esse mistério. — Disse Chloe em tom de deboche.

David e Chloe chegaram ao sítio no começo da noite daquela sexta e no sábado logo após o café da manhã iniciaram os testes na parafernália criada por David.

Logo que chegaram ao galpão David instruiu Chloe a avisar se visse algo ou sentisse qualquer tipo de desconforto ou euforia injustificada e foi ligando os equipamentos um a um. Assim que acionou a máquina de fumaça e o nevoeiro começou a se formar, a mesma imagem que tinha visto anteriormente apareceu.  

Assim que a imagem se formou, David pediu a Chloe para entrar devagar dentro da gaiola observando atentamente tudo que lhe parecesse estranho. David não disse a ela que estava vendo dentro do nevoeiro a mesma imagem que tinha visto anteriormente.

Logo que Chloe entrou na gaiola e olhou em direção ao nevoeiro exclamou:

—David. Me diga que isso não é uma “pegadinha” tua e essa imagem não está sendo projetada pela máquina de fumaça.

—O que você está vendo Chloé?

—A mesma coisa que você descreveu anteriormente, um declive, um enorme campo e uma montanha ao fundo. A imagem está fraca e turva, mas é isso que eu vejo.

—O que acha que pode ser?

—Se isso não for uma brincadeira tua, pode ser que tua máquina esteja captando imagens de algum sistema de monitoramento de alguma câmera de segurança remota.

—Vou aumentar a potência da bobina e também da máquina de fumaça para ver se a imagem melhora.

Aos poucos o nevoeiro foi se tornando mais denso e a imagem mais clara. Quando a imagem ficou totalmente nítida algo inesperado aconteceu, foi como se tivesse ocorrido uma explosão surda e repentinamente a sala foi totalmente tomada pelo nevoeiro. Assustada Chloe se abraçou a David perguntando:

—Meu Deus, o que foi isso?

—Não sei, parece que minha máquina de fumaça deu pau. Vamos esperar um pouco porque não estou vendo nada e não quero correr o risco de encostar na bobina de Tesla.

Da mesma forma como apareceu, o nevoeiro foi se dissipando e eles perceberam que já não estavam mais dentro do galpão e sim no mesmo lugar que tinham visto dentro do nevoeiro.

—O que aconteceu David. Onde estamos?

—A sensação que tenho é que ainda estamos no sítio, mas tudo está mudado, as únicas coisas que estão do mesmo jeito são: A montanha, só que parece mais verde, o declive, só que ao invés do enorme gramado agora tem uma pequena plantação, o rio que agora tem uma ponte que antes não existia, e o local onde era o pasto da fazenda do outro lado do rio não tem nenhum gado e parece ter sido transformado em uma lavoura com aquelas máquinas esquisitas fazendo a colheita sem a interferência de nenhuma pessoa. Onde foram parar meus equipamentos, meu galpão e tudo mais que tenho no sítio? Onde foi parar o gado daquela fazenda? De onde veio aquela ponte e aquela vila de casas que vejo depois daquela plantação? Vamos descer essa encosta e tentar nos localizar.

Logo que começaram a descer a encosta perceberam algo anormal, estavam no meio de uma plantação de morangos cuja a altura das plantas chegava até a cintura e os frutos tinham o triplo do tamanho de uma fruta natural. Assim que cruzaram o rio pela ponte mais surpresas, ali era uma plantação de leguminosas com vagens que chegavam a meio metro de comprimento e grãos que pareciam ser do tamanho de uma laranja.

—Vamos nos aproximar de uma das máquinas—, disse David. — Deve ter alguma cabina com um operador dentro.

Quando estavam a cerca de cinco metros da máquina ela estancou e começou a emitir um som de alarme ensurdecedor que os obrigou a correr para longe dela.

—Vamos até aquela vila ver se conseguimos conversar com alguém —, disse Chloe.

Ao se aproximarem da vila perceberam que as pessoas ao os avistarem corriam para dentro de suas casas. Não demorou e novo alarme soou e as ruas ficaram completamente desertas.

—E agora David. O que fazemos?

—Vamos continuar caminhando, deve haver mais alguém por aí, algum comércio, uma escola ou qualquer outro local com as portas abertas.

 Embora tivessem uma arquitetura um pouco diferente, as casas pareciam com quaisquer outras que eles já tinham visto, exceto pela gigantesca esfera fixada no teto de cada uma delas. Cada esfera era recoberta de placas sextavadas pintadas de preto ou confeccionadas com material nessa cor.

Eles já estavam caminhando há um bom tempo, não encontravam nem um veículo, nem um estabelecimento comercial e o mais estranho absolutamente ninguém pelas ruas as quais também não tinham placas de identificação. Seus telefones celulares estavam sem sinal. Eles já estavam ficando desesperados para encontrar uma saída, foram até uma pequena praça, beberam um pouco de água na fonte e sentaram em um banco para descansar um pouco e foi quando tomaram uma decisão, bateriam na porta de alguma casa, se ninguém os atendesse arrombariam a porta pelo menos assim a polícia seria chamada e tudo seria esclarecido.

Logo que levantaram do banco o telefone celular de David tocou, e ao atender ouviu uma voz desconhecida dizendo:

—Sabemos que vocês estão confusos, sigam até o final da rua, do lado direito encontrarão uma construção diferente das demais, lá é o centro de controle desta vila, a porta estará aberta, entrem, sentem nas poltronas e tudo será esclarecido.

Logo que chegaram ao local e sentaram nas poltronas, a parede diante deles se iluminou e a imagem de um homem sério, sentado diante do que parecia um painel de instrumentos apareceu e o homem começou a falar com um sotaque indefinido:

—Vocês não devem fazer a menor ideia de onde estão e como vieram parar aqui, eu recebi a incumbência de explicar tudo antes de manda-los de volta.

—Você tem razão —, disse Chloe, — em um momento estávamos testando um aparelho e no momento seguinte tudo ao nosso redor foi mudado.

—Alguns de nós sabem tudo a respeito do teu povo —, disse o homem, — e eu sou um deles.

—Então por favor nos explique onde estamos, por que as pessoas fogem de nós e como podemos voltar.

—No seu mundo vocês tem alguns termos para definir este lugar: realidades alternativas, universos paralelos e tantos outros que não vem ao caso, mas a verdade é que quando houve o evento que vocês chamam de Big Bang houve também um pequeno lapso temporal que permitiu a criação de um multiverso e não um universo como vocês costumam chamar. Todos os universos desse multiverso são idênticos na sua origem, mas evoluíram de forma diferente.

—Deixe ver se eu entendi —, disse Chloe, — você está dizendo que pode existir muitos planetas terra espalhados por aí?

—Sim, existem muitos planetas idênticos a sua terra, mas não estão espalhados por aí, todos eles ocupam o mesmo espaço no multiverso.  

—Por que tudo aqui parece bem diferente e qual o motivo das pessoas fugirem de nós?

—Vou contar um pouco da nossa história e talvez isso os ajude a entender o risco que o mundo de vocês está correndo: Nossa civilização está em um estágio evolutivo mais de dois mil anos na frente da de vocês.

—Mas aqui parece mais uma cidadezinha do interior do que uma cidade futurista —, disse David.

—Veja as imagens dos nossos arquivos que vou mostrar e depois tire suas conclusões:

Enquanto ia exibindo as imagens o tal homem ia dando explicações: Há mais de dois mil anos já estávamos mais evoluídos que vocês, mas a devastação do planeta era iminente. A população mundial chegava perto de dez bilhões de habitantes e os recursos naturais eram consumidos em uma velocidade duas vezes maior do que o planeta poderia produzir. O uso de todos os tipos de combustíveis, aliado a quantidade absurda de gado e outros ruminantes criados para a alimentação humana despejava no meio ambiente uma quantidade de CO2 três vezes maior do que as florestas conseguiam absorver, a camada de ozônio tinha tantos buracos que a humanidade teve que abandonar muitos locais onde os raios solares não mais eram filtrados, as calotas polares estavam derretendo a uma velocidade assustadora. Enfim, era um caos total e se não tomássemos providencias urgentes a raça humana e a de tantos outros animais estaria condenada a extinção.

—E o que vocês fizeram? — Perguntou Chloe.

—Nós sempre tivemos um governo mundial, se compararmos como a estrutura do teu mundo, esse governo mundial se equipara a um gigantesco país, os países a gigantescos estados, os estados a grandes cidades e as cidades ao que vocês chamam de subprefeituras, isso facilitou muito a tomada de decisões.

A primeira decisão tomada foi determinar que todas as mulheres que já tivessem filhos fossem esterilizadas, e as demais foram esterilizadas logo após o primeiro parto. Com essas medidas em cem anos a população mundial baixou para quatro bilhões de pessoas, e nos cem anos seguintes a pouco mais de dois e a partir daí as mulheres foram autorizadas a ter dois filhos.

A segunda decisão foi proibir a criação de animais para alimentação humana, a humanidade deveria se tornar vegetariana. Todo animal que ainda existia foi sendo abatido e consumido enquanto os pecuaristas se tornavam agricultores para dar conta da demanda por alimentação. Atualmente os únicos animais não humanos existentes nas cidades são os considerados mascotes. Com essa medida a emissão de CO2 no meio ambiente em cinco anos foi reduzida em mais de sessenta por cento.

A terceira decisão foi usar toda a tecnologia que já tínhamos para erradicar de vez a queima de combustíveis fossem eles fósseis ou não, mas para isso tivemos que promover uma grande reforma social e cultural. Atualmente nossas cidades são planejadas de tal forma que as pessoas possam ir ao trabalho a pé ou usando um veículo de tração humana semelhante ao que vocês chamam de bicicleta. O transporte individual motorizado foi abolido e o transporte coletivo entre os núcleos e cidades são movidos a eletricidade. O turismo entre nossos estados que vocês chamariam de turismo internacional também deixou de existir, porque julgamos ser totalmente inútil e desnecessário uma minoria de privilegiados desperdiçar uma quantidade enorme de combustível para atravessar metade do mundo só para ver uma praia, uma cachoeira ou uma vila com construções muito antigas e não tão belas quanto pensavam.

As industrias tiveram que se adequar para usar apenas eletricidade e assim não liberar gases nem calor no meio ambiente. Atualmente o pouco de calor que produzimos é compensado com o que retiramos do ambiente com as usinas solares, e o pouco de gases que emitimos é totalmente absorvido pela grande expansão florestal que promovemos. Criamos também um sistema que permitiu ao longo dos últimos quinze séculos recuperar totalmente a camada de ozônio.

—Essas esferas enormes que vemos sobre as casas o que são? — Perguntou David.

—São para transformar a luz e o calor solar em eletricidade. Todas as casas são autossuficientes em energia elétrica e ainda enviam a energia que sobra para o sistema de fornecimento para os órgãos públicos, indústria e comércio.

—E aquelas frutas e grãos enormes que vimos, o que são? — Perguntou Chloe.

—São produtos muito semelhantes aos que vocês têm, só que modificados para uma maior produtividade em uma área agrícola menor.

—Como vocês sabem tanto a nosso respeito? — Perguntou David.

—Conforme eu já disse, em termos evolutivos, estamos mais de dois mil anos à frente de vocês, nós temos aparelhos capazes de monitorar pelo menos uma dezena de outros planos e o de vocês é um dos que nos despertou mais interesse por causa da instabilidade que pode leva-los ao caos e também interferir em outros planos. Eventualmente enviamos para o teu lado veículos de observação. Aquilo que vocês chamam de OVNIs na maioria das vezes são nossos veículos de observação. Atualmente sabemos mais sobre vocês do que vocês mesmos.  

—E nós dois também temos sido monitorados? — Perguntou Chloe.

—Não monitoramos pessoas comuns, monitoramos apenas grandes líderes e alguns cientistas. O caso de vocês é atípico, assim que cruzaram a linha que separa nossos planos, ou nossas realidades tivemos que descobrir tudo sobre vocês dois. Se os considerássemos perigosos seriam sedados imediatamente e devolvidos ao seu local de origem, mas como são inofensivos preferimos trata-los com mais diplomacia.

—Se nos consideram inofensivos por que seu povo fugiu de nós? — Perguntou David.

—Os motivos são muitos. Primeiro: Vocês são um grande deposito de vírus e bactérias as quais nosso organismo não tem defesa alguma. Um simples contato com vocês seria a pena de morte para um de nós. Só para constar todo este núcleo ficará quarenta dias isolado e em observação para prevenir qualquer infecção causada por vocês. Segundo: As pessoas que comem carne como vocês fedem a carniça, e além do cheiro de carniça vocês fedem a tabaco e por causa da ingestão de álcool vossos fígados e rins não filtram muito bem. Pessoas que bebem álcool fedem a amoníaco, e o terceiro e não menos importante motivo é que em termos evolutivos em comparação a nós vocês são pouco mais que pré-históricos, e como animais pré-históricos a capacidade de transmitir pensamentos e sensações por uma espécie de telepatia em vocês é muito forte. A convivência de um dos nossos com vocês seria altamente danosa, essa pessoa poderia se tornar agressiva como vocês são, poderia retroceder e começar a sentir o desejo de comer carne e praticar outros atos insanos.

—Você está enganado, não somos tão maus assim —, disse Chloe.

—Não mesmo? Neste plano, o mundo inteiro não registrou nenhum homicídio ou ato de violência nos últimos mil anos. Apenas o país em que vocês vivem no ano passado foram registrados mais de quarenta mil assassinatos, ou seja mais de cem por dia. Projetem isso para o restante do seu mundo e terão um número assustador. Atualmente no plano de vocês quase sessenta países estão em guerra, por aqui não registramos nem uma guerra a cerca de dois mil anos.

—Com tantas regras o povo daqui é realmente feliz?  Perguntou Chloe.

—Melhor do que falar vou mostrar como vivemos.

Um vídeo começou a ser exibido primeiro mostrando cidades lindíssimas, ruas arborizadas e floridas. Viam-se apenas casas térreas e sobrados, nenhum edifício, nenhuma chaminé, nenhum automóvel. Eventualmente se via algum veículo semelhante a um furgão que provavelmente transportava mercadorias para as lojas. Em outra cena se via um grande parque com pessoas praticando uma grande variedade de esportes ou então pequenos grupos sentados ao redor de mesas conversando e quase sempre rindo. Foi mostrado também um vídeo de uma grande festa a céu aberto. Gente fazendo várias brincadeiras como nas festas juninas brasileiras, um palco com artistas tocando e cantando e um enorme tablado onde muitas pessoas dançavam.

O vídeo parou e o tal homem reapareceu dizendo: —Nosso povo é muito mais feliz do que vocês podem imaginar. Nós não temos que matar um leão por dia para sobreviver como vocês dizem, não vivemos em função de trabalhar horas a fio e ganhar um salário de fome. Também não vivemos em função de acumular prestígio e riqueza. Não temos medo de guerras, não temos medo de criminosos, não nos agredimos por motivos fúteis como no mundo de vocês. Aqui cada um cumpre com seu dever, trabalha, constitui uma família, se diverte e vive a vida como ela deve ser vivida.

—Vocês são um povo pacífico, entretanto em algum momento pessoas de outros planos descobrirão uma forma de passar para este lado, por exemplo, a população de onde venho é quatro vezes maior que a daqui, se meu povo conseguir vir para cá dominarão facilmente teu povo e destruirão tudo que vocês conseguiram construir em vinte séculos. Vocês não temem que isso possa acontecer? — Perguntou David.

—O fato de sermos pacíficos não significa que somos indefesos. Teu povo não tem controle algum sobre os satélites que orbitam teu planeta, nós temos na órbita da tua terra dez satélites que a um comando nosso pode destruir todos os seus satélites de comunicações. Se isso não bastar destruiremos todas as suas fontes de energia, e em último caso temos condições até de dizimar completamente tua civilização, mas acreditamos que vocês jamais atingirão o grau evolutivo semelhante ao nosso, antes disso vocês próprios se destruirão.

—Já pensaram em colaborar para que nosso povo possa seguir os mesmos passos de vocês? — Perguntou David.

—Nos últimos séculos inspiramos vária pessoas do teu mundo a mostrar o caminho certo a seguir, mas a maioria não é ouvida, outros são ridicularizados e alguns acabam sendo considerados santos. Vocês constroem altares, fazem um monte de rituais, mas não praticam uma palavra da mensagem enviada. Vamos continuar tentando, entretanto, duvido que ouçam nossos mensageiros. Agora chegou a hora de vocês partirem —, disse o homem apertando um botão no painel à sua frente.

De repente David e Chloe se viram novamente abraçados em meio a névoa e quando ela se dissipou perceberam que estavam novamente no mesmo lugar onde iniciaram o experimento.

—O que aconteceu David, isso tudo foi verdade ou fruto da nossa imaginação?

—Não sei, não sei Chloe, e talvez nunca venhamos a saber.

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

O que a pandemia não destruiu - Conto

janeiro 04, 2024

 

Com idade de catorze anos Atena decidiu que quando concluísse o ensino médio ingressaria na faculdade de medicina. Pouca gente entendeu a raiz e a dimensão dessa decisão. Todos que a conheciam sabiam que ela era uma sonhadora inveterada que escrevia poesias, que frequentava galerias de artes e, acima de tudo, sabiam que ela que lia muito.

Atena era muito seletiva em suas leituras; detestava fantasia fantástica, ficção científica e histórias com super-heróis. Para ela, super-heróis eram os professores, os médicos, os policiais e todos aqueles que dedicam sua vida ao bem da humanidade. Atena também pensava que super-herói ou super-heroína eram aquelas pessoas humildes que morando na periferia ficavam horas dentro de um transporte coletivo abarrotado para chegarem aos seus locais de trabalho e defenderem o sustento de suas famílias.

Atena também era aficionada em séries de TV, mas não qualquer série, sua preferência sempre eram as séries sobre médicos, hospitais e outras que abordavam dramas pessoais ou familiares e, foi assistindo uma dessas séries, que provocou nela o desejo de estudar medicina. Episódio após episódio ela via famílias e pessoas lutando contra doenças desconhecidas e algumas delas consideradas incuráveis, via equipes médicas não medindo esforços para diagnosticar algumas doenças, via o impacto sobre toda a equipe quando perdiam algum paciente. O empurrãozinho final para ela se decidir pela faculdade de medicina, foi o drama de uma jovem médica de uma série que assistia ser diagnosticada com uma doença de transmissão hereditária, progressiva, incurável e incapacitante, a mesma doença que embora ainda assintomática sua mãe era portadora. Atena sabia que a possibilidade de ela mesma ter herdado essa doença da mãe era de cinquenta por cento, mas se recusava a fazer o teste para descobrir se era ou não portadora dessa anomalia genética. De que adiantaria? Ela se perguntava o tempo todo. Não havia tratamento preventivo para a doença, o que existia eram terapias para retardar ou minimizar os efeitos quando eles se manifestassem, logo não fazia sentido algum carregar aquele fardo por vinte, ou trinta anos ou até mais.

A decisão estava tomada, concluindo o segundo grau prestaria vestibular para a faculdade de medicina. Concluindo a faculdade de medicina talvez fizesse pós graduação para se tornar geneticista ou uma nova graduação em biomedicina.

Durante todo curso Atena se destacou pela facilidade com que aprendia as matérias e pela sua tenacidade quando os problemas se apresentavam.

Atena parecia incansável.  Mudou seus hábitos de leitura; agora além dos livros inerentes ao curso que estava fazendo, ela devorava livros de biomedicina e biogenética na certeza que o conhecimento nessas áreas seria fundamental para o seu futuro como médica e pesquisadora.   

 Depois de seis anos na faculdade, formou-se com louvor e decidiu por uma pós graduação para se tornar geneticista, depois pensaria em uma nova graduação em biomedicina. Seu sonho de buscar soluções para doenças até então consideradas incuráveis continuava tão vivo quanto era quando ela terminou o ensino fundamental.  

O que Atena não contava era que logo depois da sua formatura a humanidade teria que enfrentar a maior pandemia dos últimos cem anos, a COVID 19, uma doença que surgiu na China no final do ano de dois mil e dezenove e se espalhou pelo mundo em uma velocidade jamais vista.

Os noticiários não falavam em outra coisa e para piorar confundiam a cabeça da população ao preferir usar palavras estrangeiras em detrimento do nosso próprio idioma. A mídia falava em Lockdown quando poderia dizer confinamento, falava em Fake News, mas depois tinham que explicar que esse termo significava notícias falsas e os médicos afirmavam uma coisa e algumas autoridades outras deixando o povo completamente desorientado.

Em meio a tanta informação e algumas vezes desinformação Atena viu em um noticiário que sua cidade natal se preparava para abrir um hospital de campanha, mas estavam tendo dificuldades na contratação de médicos. Atena não queria se afastar de sua mãe que já apresentava sintomas de sua doença, mas ao mesmo tempo se via na obrigação de honrar o juramento hipocrático feito na cerimônia de colação de grau, então achou melhor ouvir a opinião dos seus pais e o que ouviu de sua mãe determinou o rumo que daria na sua vida: ”Filha, não desista dos seus sonhos por nada nesse mundo. A progressão da minha doença pode demorar dez a vinte anos. Tenho certeza que essa pandemia vai acabar bem antes disso e eu estarei aqui esperando o seu regresso.”

Se conseguir um emprego no hospital de campanha foi mais fácil do que ela esperava, o mesmo não podia dizer com relação a moradia. Os hotéis e pousadas da cidade estavam fechados por causa da pandemia, muitas imobiliárias se recusavam alugar apartamentos para profissionais da saúde com medo que eles contaminassem todos no edifício. Restavam as casas, mas eram mais caras e distantes do hospital. Depois de muito procurar Atena conseguiu alugar uma edícula com entrada independente, não era muito próxima ao hospital, mas era bastante segura, já que estava nos fundos da casa ocupada pelos proprietários.

Se Atena pudesse definir seus primeiros dias no hospital em uma palavra, essa palavra seria medo. Medo de contrair a doença, medo de cometer erros e medo de não ser bem aceita pelos profissionais experientes. Seus medos se dissiparam naquela tarde quando foi internada uma senhora com idade de setenta anos. Enquanto ela fazia alguns exames preliminares na senhora, o médico chefe da equipe entrou no quarto, pegou o prontuário e disse à paciente: “Pode ficar tranquila dona Clotilde, a senhora está em boas mãos, a doutora Atena é competente e vai cuidar muito bem da senhora.” Ao que a senhora respondeu: “Mas quem disse que eu não estou tranquila? Já passei por tanta coisa na minha vida que não vai ser esse tal de corona que vai me derrubar. Tenho certeza que essa jovem médica vai me tratar muito bem, isso está escrito na carinha de anjo que ela tem”. A confiança do médico e da paciente nela agiu em Atena como um verdadeiro antídoto para seu medo e insegurança.

Montado no ginásio esportivo da cidade, o hospital de campanha contava com oitenta leitos que aos poucos foram sendo ocupados por pacientes com COVID 19, a maioria pessoas humildes e do grupo da terceira idade; pessoas acostumadas ao convívio familiar e que agora se viam isoladas sem nem ao menos poderem se comunicar por telefone celular.

Filha de uma família da classe A, de repente Atena se viu frente a frente a um mundo que até então ela não conhecia, eram famílias inteiras que para sobreviver dependiam da aposentadoria de uma pessoa idosa que agora estava internada. E se essa pessoa morresse, o que seria dessa família? Soube de uma mãe de família que fugiu do hospital antes da alta porque temia pela vida dos seus filhos sendo cuidados por um pai alcoólatra inveterado. Viu famílias que não sabiam se festejavam a alta do chefe da casa ou choravam pela morte do avô ocorrida no mesmo dia.

Como tudo em sua vida, Atena se entregou de corpo e alma ao seu trabalho, durante seu turno de trabalho dava a impressão que estava em vários locais ao mesmo tempo.

Por iniciativa própria, Atena levou seu tablet ao hospital e, com autorização do diretor da unidade, após seu turno de trabalho ia até o leito de alguns pacientes para que eles se comunicassem com seus familiares por vídeochamada. Cada chamada levava menos de dez minutos, permitindo assim que durante as duas horas que Atena permanecia no hospital após o seu turno aproximadamente dez pacientes se comunicassem com seus familiares. Era impressionante notar a mudança no humor dessas pessoas após cada ligação. Como ficava ao lado dessas pessoas durante as ligações, Atena percebeu a brutal diferença entre o mundo delas e o seu. No seu mundo as pessoas tinham posses para comprar quase tudo o que desejavam, logo não havia necessidade ou oportunidade de compartilharem quase nada com ninguém. No mundo daquelas pessoas humildes ela testemunhou a constante preocupação de uns com os outros. Percebeu que naquele mundo era frequente alguém partilhar o pouco que tinha para amenizar o sofrimento de alguém próximo.

Por mais que tentemos burlar as regras básicas da vida, não conseguimos mudar o fato que o dia só tem vinte e quatro horas, e que essas horas devem ser divididas da maneira mais inteligente possível entre todas as nossas atividades. Na vida agitada que Atena vivia essa divisão não estava sendo bem feita e se ela não se cuidasse poderia pagar caro por isso. Outra coisa que Atena não estava levando em conta era que diferente dos aparelhos eletrônicos onde basta ligar a tomada para que as baterias se recarreguem, nosso organismo depende de vários fatores como alimentação, repouso e até lazer para manter a energia em níveis satisfatórios e Atena vinha negligenciando todos eles. Quando chegava em casa depois do seu turno de trabalho ela se sentia tão esgotada física e emocionalmente que não tinha ânimo nem para preparar uma refeição saudável e, assim, estava vivendo de Fast Food. Quando saia do hospital passava em uma lanchonete que atendia pelo sistema de Drive thru; pegava um lanche qualquer e ia para casa onde após comer o lanche e cuidar da higiene pessoal telefonava para sua mãe e depois caia na cama para só levantar na hora de retornar ao hospital. Na sua única folga semanal tinha que fazer a faxina na sua casa, lavar e passar suas roupas já que temia trazer alguém contaminado para dentro da sua casa para fazer esses serviços. Não tinha mais tempo para leitura, diversão e nem ao menos se comunicava com as amigas pelas redes sociais.

Talvez porque ela nunca tinha diminuído o ritmo e nem a disposição com que atendia os pacientes. No hospital ninguém notava ou se notavam ninguém nunca lhe disse nada, mas Atena estava emagrecendo a olhos vistos.

Mesmo com tantos afazeres, ela concordou e o hospital permitiu que Atena participasse de uma entrevista por vídeochamada para a emissora de TV local que estava fazendo uma série de entrevistas sobre os jovens médicos que atuavam no combate ao Coronavírus. Nessa entrevista ela falou de tudo um pouco, falou do seu sonho de se tornar geneticista e talvez biomédica para buscar soluções para doenças incuráveis como a que acometia sua mãe e que havia cinquenta por cento de possibilidade de ela própria ter herdado a doença da mãe. Falou sobre sua decepção com grande parte da população que enquanto eles, profissionais de saúde estavam dando tudo de si no combate a pa ndemia, uma significativa parte do povo sabotava seus esforços participando de festas com aglomerações de centenas de pessoas ou lotando as praias em todos os finais de semana.

Atena já estava trabalhando no hospital há seis meses quando naquela manhã levantou indisposta, parecia que toda a energia do seu corpo havia sido sugada durante a noite. Além do cansaço e apesar do calor que fazia, ela sentia frio e ao aferir a temperatura constatou que ela estava em quase trinta e nove graus, indicando um quadro febril. Atena sabia exatamente o que esses sintomas indicavam, então ligou para o hospital avisando seu superior que iria se consultar em uma clínica já que o hospital de campanha não fazia testes de detecção da doença.

Quando o teste rápido realizado pela clínica deu positivo para o COVID, o médico que a atendeu, além de prescrever alguns medicamentos para combater os sintomas da doença, receitou um polivitamínico, já que ela apresentava sinais de desnutrição e anemia; pediu uma série de exames e recomendou bastante repouso até que em três dias pudesse fazer o teste RT-PCR que confirmaria se realmente ela tinha sido infectada.

E a doença foi evoluindo, quando depois de três dias ela retornou à clínica para realizar o teste RT-PCR, estava com tosse seca e se sentia muito cansada.

Quando o exame confirmou que ela tinha sido infectada, o que já era evidente pelos seus sintomas, Atena decidiu monitorar mais de perto a evolução da doença, adquirindo um oxímetro. Em momento algum cogitou em voltar para a casa dos seus pais para não os contaminar.

Talvez por alguma predisposição desconhecida, ou pelo seu estado anêmico a doença evoluiu rapidamente forçando sua internação no mesmo hospital onde ela vinha trabalhando há seis meses.

Com a evolução da doença veio a perda do paladar e do olfato, seguida de dores de garganta e depois pelo corpo todo.

Pouco antes de ser entubada, Atena reclamou ao médico que a atendia que estava sentindo uma enorme dor no peito e tanta falta de ar que parecia que nem tinha mais pulmões.

Quando depois de dez dias entubada e em coma induzido ela acordou, a sensação era que estava no meio de um terrível pesadelo que não permitia que ela ficasse totalmente desperta. Sentia-se fraca, dolorida, com dificuldade para respirar e com o raciocínio confuso.

A recuperação foi lenta e gradual, foram necessários mais dez dias de internação para que ela tivesse alta e ainda assim com a recomendação de pelo menos mais trinta dias de repouso em casa antes de voltar às atividades.

Na saída do hospital seu pai a aguardava para levá-la de volta para casa onde ficaria confinada em seu quarto por mais catorze dias. Emocionada recebeu homenagens de seus colegas de trabalho e de alguns ex-pacientes, inclusive dona Clotilde a simpática velhinha que sabendo pela mídia de sua alta veio também homenageá-la.

A mesma repórter que a entrevistara tempos atrás perguntou se ela ainda voltaria para aquele hospital. “Provavelmente não, até porque quando eu estiver totalmente recuperada este hospital de campanha estará sendo desativado”. Depois, a repórter quis saber quais eram os planos dela para o futuro já que a COVID 19 tinha sequestrado um ano da sua vida. “Não posso dizer que a Covid tenha roubado um ano da minha vida, porque aprendi muito durante esse período. Meus planos para o futuro continuam os mesmos, me tornar uma geneticista e buscar soluções para doenças até então consideradas incuráveis. Esse ano me mostrou que essa pandemia pode destruir a saúde, a economia e tantas outras coisas, mas se eu não permitir, ela jamais destruirá meus sonhos e minha fé em um mundo melhor. 

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quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Encontro insólito - Conto

janeiro 03, 2024

 


Matilde chegou cedo demais para a entrevista que poderia lhe garantir um bom emprego naquela escola luso brasileira. Pudera, vinda de Lisboa estava há pouco mais de um mês no Brasil e ainda não se adaptara plenamente à diferença de quatro horas no fuso horário.

Em circunstâncias normais, naquele horário a escola estaria cheia de vida com a criançada entrando nas salas de aula, mas as férias ainda não haviam terminado, e além dela na escola só tinha mais uma pessoa, a secretária que a atendera.

Sem se importar com o tempo que teria que esperar, Matilde sentou-se em um banco diante de uma enorme mesa onde normalmente os alunos faziam suas refeições, abriu um livro e tentou ler um pouco, mas mal começou a ler quando ouviu passos, e viu um homem que aparentava ter cerca de quarenta anos de idade se recostar no muro e ficar olhando em sua direção. Ela se sentiu incomodada com o modo que aquele homem a observava. Seria ele alguma espécie de maníaco, ou talvez fosse seu vestido rosa que lhe chamara a atenção?

Matilde tentou se concentrar no livro que estava lendo, mas seus olhos teimavam em olhar para o desconhecido. Maníaco provavelmente não era, talvez fosse somente um quarentão buscando um relacionamento com uma garota mais nova. Analisando melhor o desconhecido ela ficou um pouco mais tranquila, ele aparentava ser um professor que como ela devia estar esperando o horário para uma entrevista.

A insistência daquele homem em olhar para ela a estava incomodando, talvez fosse melhor ir até à secretaria e relatar o que estava ocorrendo, mas se fizesse isso e o tal homem fosse apenas um professor aguardando o horário da sua entrevista, o pessoal da escola poderia ter uma visão negativa a seu respeito, então melhor seria tentar ignorar o tal homem.   

Encostado no muro do pátio da escola, Tiago observava aquela jovem mulher que usava um vestido cor de rosa um pouco chamativo para seu gosto, estaria ela também aguardando para ser entrevistada pela diretora da escola?

Talvez pela aparência ou pelo vestido rosa, a garota lhe lembrou Mariana, sua primeira grande paixão quando ele ainda vivia e estudava em Porto Alegre, sua terra natal. Mariana passou pela sua vida feito um trem bala. Uma visão majestosa, uma lufada de vento, um forte zumbido e em pouquíssimo tempo desapareceu sem deixar vestígios.

 Tiago conheceu Mariana no último mês do ano letivo, ela com dezesseis anos cursando o ensino médio, e ele com dezoito já se preparando para o ensino superior.

Mariana era linda, tudo no seu rosto era proporcional e bem distribuído. Seus olhos verdes expressavam a força das pessoas que sabem o que querem, cabelos castanhos muito brilhantes, encaracolados e sempre muito bem penteados. A única coisa que destoava era a insistência dela em usar vestidos quase sempre na cor Rosa Choque que a seu gosto eram chamativos demais.

Na primeira semana depois que a conheceu, ele a auxiliou nos estudos de algumas matérias onde ela estava encontrando dificuldades. Durante os estudos acabaram criando uma forte ligação. Na segunda semana começaram a namorar. Estavam namorando há uma semana quando fizeram amor. Na quarta semana iniciaram as férias escolares e ele partiu com os familiares em uma curta viagem. Na quinta semana quando voltou de viagem soube que ela junto com a família tinha se mudado para algum local desconhecido. Mariana nunca mais deu notícias.

Por onde andaria Mariana agora? — Pensava Tiago. Teria se casado? Provavelmente sim pois estaria com quase quarenta anos de idade. Era feliz com seu marido? Teria filhos? Ainda se lembrava dele todos os dias como ele lembrava dela? E a pergunta que o atormentava há mais de vinte anos, por que ela partiu sem dar satisfação alguma e por que nunca mais entrou em contato?  Certamente Mariana nunca o amou, se o amasse não teria fugido dele daquela forma.

A garota de vestido rosa podia lembrar Mariana, principalmente por causa do vestido e do ambiente escolar

. Definitivamente a garota lembrava, mas não era Mariana, mas para o bem ou para o mal a presença dela desenterrou do fundo de sua alma emoções há muito sufocadas. 

Matilde ficou apreensiva quando notou que o estranho caminhava em sua direção. Fingindo que não tinha percebido sua aproximação tentou prestar atenção no que estava lendo. Disfarçadamente ela descalçou os sapatos de salto alto se preparando para fuga caso aquele homem tentasse alguma coisa.

O tal homem se aproximou da mesa perguntando:

—Algum problema se eu me sentar para a gente conversar um pouco enquanto aguardamos?

—De forma alguma — respondeu Matilde. — Isso pode até ajudar a matar o tempo.

—Estou aguardando o horário da entrevista, mas parece que cheguei cedo demais.

—Eu também — respondeu Matilde. O senhor é professor?

—Sim, mas mesmo sendo professor há décadas, sempre fico muito ansioso quando estou tentando uma nova vaga. E você?

—Estou tentando uma vaga para ensinar história e cultura portuguesa, minha terra natal. Além desta escola, ainda tenho mais duas entrevistas, uma hoje à tarde e outra amanhã pela manhã.

—Que ótimo. Há quanto tempo mudou para o Brasil?

—Na verdade não mudei, devo ficar aqui por dois anos para concluir um doutorado, depois volto para minha terra.

—Ora pois, como dizem os teus patrícios,  somos dois longe de casa.

—O senhor não é brasileiro?

— Sou brasileiro sim, porém não de São Paulo.

—De onde o senhor é?

—Sou de Porto Alegre, vim para São Paulo porque as oportunidades de trabalho são maiores.

—Que coincidência, eu sou portuguesa, mas minha mãe é brasileira de Porto Alegre.

—Coincidência mesmo.

—Minha mãe sempre fala muito do tempo que viveu em Porto Alegre, deve ser uma boa cidade para se viver.

—Eu gosto de Porto Alegre. Dizem os estrangeiros que o clima é mais parecido com o da Europa do que nos estados mais ao norte, mas isso não posso afirmar porque nunca fui à Europa.

Nesse momento, um carro estacionou na vaga da diretoria da escola e duas mulheres desembarcaram.

—Parece que a diretora chegou, logo devem nos chamar—, disse Tiago.

Nem bem Tiago terminou de falar, a funcionária da recepção se aproximou dizendo para Mariana se encaminhar para a sala da diretoria para a entrevista e pediu a Tiago que aguardasse na recepção.

Enquanto aguardava, Tiago se questionava sobre a ironia da situação. Decidiu mudar-se para São Paulo na tentativa de dar um novo rumo à sua vida. Depois de Mariana teve vários relacionamentos, por duas vezes chegou a se casar sem nunca encontrar a felicidade. Estava divorciado há um ano do seu segundo casamento e pretendia jamais repetir a experiência.

—Por que agora? Perguntava ele. —Por que essa garota tinha que aparecer e trazer à tona sentimentos que ele tentava sufocar há mais de vinte anos?

Antes de Mariana sua vida era vazia e sem qualquer objetivo, depois dela se transformou em um enorme deserto com um sol causticante durante o dia enquanto ele buscava um Oásis, e um frio que congelava até sua alma durante as intermináveis noites.

Logo depois do desaparecimento de Mariana ele tentou localizá-la sem sucesso por toda Porto Alegre e na maioria das cidades gaúchas. Depois do advento das redes sociais, incansavelmente postou sua história na tentativa de que ela lesse e entrasse em contato, mas nada aconteceu. Agora, depois de mais de vinte anos, tinha decidido enterrar Mariana para sempre, mas essa garota apareceu e novamente suas estruturas foram abaladas, Tiago tentou se recompor pensando que mesmo que o aparecimento dessa garota o tivesse abalado, ele haveria de conseguir dar um novo rumo à sua vida.

Pelo corredor ele ouviu passos e Tiago avistou a garota de vestido rosa se aproximando da recepção dizendo a ele:

—A diretora pediu que avisasse o senhor para ir até à sala dela para a entrevista.

—E como foi lá? — Perguntou ele. — Conseguiu a vaga?

—Ainda ficaram umas divergências para resolver, se a proposta das outras escolas for melhor não devo ficar por aqui.

—Antes de nos despedirmos tenho mais uma curiosidade a teu respeito, você falou que tua mãe é gaúcha, e teu pai também é?

—Eu não conheci meu pai e pouco sei dele.

—Que triste, o que houve com ele?

—Até onde eu saiba não deve ter acontecido nada. Minha mãe tinha só dezesseis anos quando mudou para Portugal, seu namorado ficou aqui no Brasil. Chegando em Lisboa ela descobriu que estava grávida, então decidiu não contar nada ao meu pai, pensou que seria um constrangimento desnecessário, então rompeu o contato com ele definitivamente.

Tiago gelou. Seria aquela garota filha de Matilde e sua filha? Caso fosse não tinha a menor ideia do que poderia fazer a respeito.

—Qual o nome da tua mãe e do teu pai?

—O nome da minha mãe é Mariana e o namorado que ela deixou aqui no Brasil era Tiago. Agora preciso ir, ainda tenho mais uma entrevista hoje.

Nesse momento a secretária interviu dizendo:

—Professor, é melhor o senhor se apressar, a diretora detesta ficar aguardando uma pessoa que ela mandou chamar.

Cabisbaixo, Tiago seguiu pelo corredor para ser entrevistado.


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Sonho. Sonho? - Conto

janeiro 03, 2024

Ao acordar no meio da tarde ela estava confusa, muito confusa. Por que estava dormindo em pleno dia? Ao tentar se lembrar ficou ainda mais confusa, não sabia onde estava, nem como foi parar naquele lugar. A garota nem tinha conseguido se situar direito quando uma mulher entrou no quarto dizendo:

—Que bom que esteja acordada, como está se sentindo?

Quem era aquela mulher? pensou a garota. Pelo uniforme branco e corte impecável deveria ser uma profissional da saúde, mas afinal quem era ela?

—Além de estar muito confusa, me sinto bem. Onde estou e como vim parar aqui? 

—Qual é o teu nome, garota? —Perguntou a mulher.

—Meu nome? … —Não sei. Como é possível isso, não saber o próprio nome.

—E tua idade, você sabe?

— Eu…, bem …, não tenho a menor idéia

Entregando um espelho para a garota a mulher perguntou:

—Consegue se reconhecer?

Assim que se olhou no espelho ela respondeu.

—Não me reconheço, nunca vi essa pessoa no espelho. O que é isso, algum truque?

—Isso não é um truque, a imagem no espelho é você mesma, o problema é que você está com amnésia e parece que não consegue se lembrar de nada. Quero que me acompanhe para alguns testes. A propósito meu nome é Sara.

Sara acompanhou a garota até uma sala onde havia uma escrivaninha e duas cadeiras, a garota sentou em uma e Sara na outra.

—Me fale um nome que você gostaria de ter— disse Sara.

—Acho que Lúcia, não sei porque penso que esse pode ser o meu nome.

—Tudo bem, então até que se lembre do teu nome verdadeiro vou te chamar de Lúcia. —O que você lembra de você, Lúcia?

—Nada, absolutamente nada. Não sei quem sou, onde moro, não sei minha idade, se tenho familiares ou namorado. O interessante é que sei tudo sobre o mundo, mas não lembro de nunca antes ter participado de atividade alguma.

Entregando a Lúcia algumas folhas de papel com questões para exames de conclusão do segundo grau, pediu a ela que as respondesse enquanto ia até a outra sala conversar com sua supervisora. Quando retornou  e corrigiu os questionários, Sara ficou impressionada, Lúcia não havia errado uma questão sequer.

—Se você respondesse assim para uma exame final do segundo grau, passaria com nota dez, agora vamos a uns testes de conhecimento geral. Quem é o atual presidente do Brasil?

—Jair Bolsonaro

—O anterior?

—Michel Temer que assumiu depois da cassação da presidente Dilma Rousseff.

—Realmente não entendo o que está acontecendo com você. Você lembra de tudo só não lembra nada a respeito da tua vida. Qual seu sentimento agora?

—Neste momento meu sentimento é de urgência, sinto que tenho que ir embora daqui para cuidar de alguém, só que não sei quem é. Talvez se eu fosse para as ruas conseguisse me lembrar de algo.

—Você foi trazida para cá de um bairro distante, se sair às ruas não vai conseguir chegar a lugar algum. Agora vou te levar até a sala de recreação para conversar um pouco com outras pessoas.

Na sala de recreação havia algumas pessoas, mas ninguém conversava. Todas pareciam muito infelizes. Depois de quase meia hora uma senhora que aparentava ter idade superior a sessenta anos  se aproximou dizendo:

—Você é nova por aqui, também não consegue se lembrar quem é?

—Como sabe?

—Porque nesta clínica só tem pessoas que eles dizem que perdeu a memória.

—Clínica? Não vi equipamentos médicos e nada que lembre uma clínica. Aqui mais parece um hotel.

—Chega mais perto que vou te contar um segredo.

—Pode dizer.

—Ainda não descobri o motivo, mas estão mentindo para nós. Nós não temos amnésia e sim nos fizeram uma lavagem cerebral. Se eu fosse jovem que nem você fugiria daqui na primeira oportunidade.

—Por que diz isso?

—Havia uma garota como nós, levaram ela para uma sala dizendo que fariam ela recuperar a memória, quando saiu de lá parecia louca gritando que eles estavam mentindo, que ela não tinha morrido coisa alguma, depois levaram a garota para outra sala e ela nunca mais foi vista. Todos os dias chegam garotas novas e a história é sempre a mesma, dizem que elas estão com amnésia e em dois ou três dias a garota desaparece  e ninguém fala mais nela.

 Nem bem a senhora terminou seu comentário e uma funcionária da clínica se aproximou pedindo que ela a acompanhasse. Disfarçadamente Lúcia seguiu-as e viu quando entraram em uma porta no final do corredor. Talvez por mera curiosidade ou pelas coisas que aquela senhora havia dito, Lúcia ficou aguardando no corredor, até que cerca de dez minutos depois a mesma funcionária saiu sozinha da sala e perguntou a ela:

—O que faz aqui garota?

—Eu estava procurando um toalete e fiquei curiosa com aquela porta.

—Venha — disse a funcionária abrindo a porta.

Para surpresa de Lúcia na sala havia apenas duas poltronas e um televisor enorme, porém a senhora que ela tinha visto entrar não estava lá. Como era possível se na sala não tinha outra porta, janelas e nenhum outro móvel onde alguém pudesse ser escondido.

—Esta sala chamamos de sala das recordações, as pessoas que têm dificuldade de recordar são trazidas para cá e assistem alguns vídeos para ajudar a ativar a memória.

Lúcia pensou em perguntar para onde tinha ido aquela senhora, mas ficou com medo, muito medo e decidiu fugir daquele local, e sem titubear começou a caminhar pelos corredores em busca de uma saída. Após algumas tentativas, ela saiu por uma porta diretamente em um jardim defronte ao prédio e de lá chegou na rua. Uma vez na calçada Lúcia literalmente correu rua acima. Assim que virou a primeira esquina, Lúcia viu um ônibus parado no ponto, e correndo ainda mais entrou nele dizendo ao motorista que não tinha dinheiro para pagar a passagem, mas tinha que sair daquele local rapidamente. O motorista fechou a porta e pediu a ela que sentasse em qualquer poltrona. O ônibus estava praticamente vazio, a única pessoa embarcada era Sara que sorriu para ela dizendo:

 —Hora de voltar para a clínica Lúcia, e dessa vez terá um incentivo para recuperar a memória.

Chegando na clínica Sara levou Lúcia À mesma sala onde ela viu aquela senhora entrar e disse:

—Você sabe o motivo de ter escolhido esse nome? Você o escolheu porque Lúcia é teu nome verdadeiro. Sempre soubemos isso.

—Se sabiam por que não me falaram nada?

—Não falamos porque é muito importante que você recupere a memória para poder seguir em frente.

—Seguir em frente para onde?

—Sente-se, você vai ouvir uma música inspiradora enquanto assiste no televisor  a exibição de imagens que têm alguma relação com a tua vida, isso pode te ajudar a recuperar a memória.

De repente o ambiente foi tomado por uma música que Lúcia não conhecia, o som era inspirador e causava nela uma sensação de paz e felicidade. Alguns minutos após o início da música, o televisor começou a exibir um vídeo  onde ela se via à frente de um grupo de idosas ensinando-as a fazer exercícios de alongamento. Sim, pensou Lúcia, esse era seu compromisso todas as manhãs de sábado, ensinar exercícios àquelas idosas do asilo para ajudá-las na melhoria da qualidade de vida. 

Tão logo Lúcia tomou consciência dessa atividade, outro vídeo foi exibido, e nele ela estava em uma sala de aulas tirando dúvidas e corrigindo exercícios de adolescentes de uma comunidade muito pobre. Lúcia lembrou que participava de um projeto social que fornecia material didático para adolescentes da comunidade estudarem em casa visando conseguirem melhores empregos. Semanalmente havia o plantão tira dúvidas onde ela corrigia exercícios e tirava dúvidas desses adolescentes.

No vídeo seguinte ela se viu vestida de palhaça no meio de uma trupe que visitava orfanatos para alegrar o dia das crianças. Era gratificante ouvir as gargalhadas daquela criançada tão maltratada pela vida.

Finalmente foi exibido um vídeo onde ela se viu em um local que reconheceu imediatamente e sua alma foi tomada por emoções conflitantes. Lúcia se viu na sala de sua casa sentada em frente a sua mãe tentando fazê-la compreender que ela precisava sair.

—Mãe. Daqui a pouco a Maria vai chegar para ficar com você, e eu preciso sair para ir na entrevista para conseguir aquele emprego. A senhora entendeu?

Com idade de quase cinquenta anos e com os sintomas da  Doença de Huntington se agravando a cada dia, a mãe de Lúcia já não mais podia ser deixada sozinha. Era triste ver aquela pessoa que um dia foi tão dinâmica, que educou tão bem sua filha e que ajudou tanta gente quase não se lembrar mais nem de quem era. Lúcia pensou: “Será que é isso que está acontecendo comigo? Será que a exemplo da minha mãe também estou perdendo a memória?

Lúcia sabia que conseguir aquele emprego era fundamental para conseguir manter sua mãe sem a necessidade de interná-la em um asilo qualquer. Ela estava confiante, nos testes de conhecimento sobre a profissão não errou sequer uma questão. Sua avaliação médica e psicológica foi positiva e as referências do seu emprego anterior onde foi demitida porque a empresa encerrou suas atividades no Brasil eram invejáveis. Não tinha como não conseguir aquela vaga.

Na cena seguinte Lúcia se viu saindo transtornada dos escritórios da empresa, a vaga de emprego que ela estava certa que seria sua foi dada a outra garota menos competente, mas que tinha peitões, bunda grande e era “amiguinha” do recrutador. Aquilo era injusto, o recrutador a tinha prejudicado e lesado a empresa. O que ela faria agora?

Tentando enviar uma mensagem pelo telefone celular para Maria que cuidava de sua mãe, Lúcia se aproximou da faixa de segurança e assim que o sinal para pedestres mudou para a cor verde iniciou a travessia da avenida. Distraída que estava  não percebeu o automóvel que vinha em alta velocidade, só ouviu o som dos pneus cantando no asfalto após a freada brusca. Lúcia não teve tempo de sentir dor, o veículo a atingiu com violência lançando-a contra um poste poucos metros à frente. Na cena seguinte Lúcia se viu despertando naquele quarto.

Ainda confusa Lúcia perguntou:

—Afinal, o que houve, o que aconteceu comigo?

—Fique calma Lúcia, mas você foi atropelada por um veículo em alta velocidade. Teu corpo não resistiu aos ferimentos e teve morte instantânea.

Em um misto de consternação e desespero Lúcia perguntou:

—Você está me dizendo que eu morri?

—Você não morreu Lúcia, teu corpo físico é que morreu, mas tua alma é imortal e agora ela está aqui sendo preparada para seguir em frente.

No desespero Lúcia disse:

—Eu não posso morrer. Você mesma viu quantas pessoas dependem de alguma forma de mim, O que será da minha mãe, vai ser jogada em um asilo para deficientes?

—Nem tua mãe nem as demais pessoas são mais responsabilidade tua. Agora vou te levar a outro lugar para te mostrar onde vai ficar até ser enviada a outro plano.

—Você diz reencarnar?

—Quase isso. O estágio de evolução da tua alma permite que você tenha uma nova vida em um plano superior ao que você estava vivendo, mas isso é coisa que aprenderá aos poucos.

No mesmo instante Lúcia se viu em um jardim de uma beleza jamais vista, por todos os lados se viam pessoas transpirando paz e felicidade, o ar era de uma pureza incrível e o canto dos pássaros era a melodia mais bonita que ela ouvira. Tudo ali era perfeito.

—Este é o lugar onde você passará o tempo de adaptação antes de seguir adiante. Aos poucos você se desapegará do plano de onde veio, e quando estiver preparada poderá seguir adiante. Você terá novamente um corpo físico que muito mais perfeito do que o que acabou de deixar. Nesse novo plano poderá evoluir ainda mais.

—Tudo aqui é muito bonito, mas me sinto infeliz. Como minha mãe, que é uma pessoa tão boa, viverá?   Será jogada em um asilo para deficientes mentais e será tratada como um objeto sem valor ou como um vegetal que às vezes morre por descuido ou falta de rega? Essa é a justiça divina que  aprendi e acredito? Era meu destino morrer tão cedo e privar tanta gente, principalmente minha mãe das coisas que eu fazia por elas?.

—Essa coisa de destino é invenção humana. Aquele motorista  que te atropelou estava embriagado, dirigia em alta velocidade e passou um sinal fechado. Se ele não tivesse te atropelado teria batido com o carro no mesmo poste onde você foi arremessada e morrido. Talvez tivesse sido mais justo, mas não estou aqui para julgar.

—Minha mãe já foi avisada da minha morte? Ela compreendeu o que se passou? Qual foi a reação dela?

—Lúcia. Entenda uma coisa, o tempo aqui corre de forma diferente do plano de onde você veio. Naquele plano se passaram poucos minutos desde o acidente, teu corpo ainda está na rua e nem a ambulância de resgate com os paramédicos chegou ao local.

—Eu fui educada e sempre aprendi que Deus poderia atender pedidos justos, mesmo que fossem considerados impossíveis pela humanidade, se eu pedir existe alguma chance de eu não morrer agora?

—Faça o seguinte: está vendo aquela capela ao lado do gramado? Lá não tem nem um símbolo religioso porque aqui não existem religiões. Vá até lá, medite o verdadeiro motivo porque deseja voltar e peça a Deus para que você retorne à vida. Ele vai te ouvir e julgar, se o pedido for justo pode ser que ele te atenda, mas dificilmente isso acontece.

Lúcia entrou na capela e mesmo sem ter um corpo físico a dor que sentia era tão intensa que teve a nítida impressão que lágrimas corriam dos seus olhos e alí se ajoelhou  e pediu em oração: “Senhor. Sei que aqui onde estou é um lugar maravilhoso, muito melhor do que o lugar de onde vim e por isso sou grata, mas Senhor, não me sinto feliz aqui sabendo que são tão poucos os que como eu se dispõe a ajudar as pessoas. Senhor, me sinto angustiada sabendo de todo sofrimento da minha mãe se eu morrer agora. Senhor, minha mãe sempre foi uma boa pessoa e não merece sofrer dessa forma. Te peço meu Deus, se for da tua vontade me restitua a vida para que eu possa cuidar dela e das outras pessoas que tenho tentado ajudar. Obrigada Senhor. 

Quando saiu da capela Sara a instruiu retornar ao quarto e descansar até o dia seguinte e aguardar pacientemente  a decisão divina.

Quando Lúcia acordou no meio da tarde estava confusa, e a primeira coisa que viu foi o largo sorriso da sua mãe perguntando:

—Então preguiçosa, vai dormir o resto do dia?

—Você está bem mãe? e tua memória como está?

—Que pergunta é essa menina? Já esqueceu que há mais de um ano fizemos os exames e testamos negativo para a Doença de Huntington? Graças a Deus a transmissão dessa doença na nossa família morreu junto com a minha mãe.

-Nem sei porque perguntei isso, acho que foi por causa de um sonho horroroso que tive.

—Também, depois de quase ter sido atropelada e ver aquele carro se espatifar no poste só pode ter tido sonhos ruins.

—Mãe, você acredita que Deus pode dar uma segunda chance a quem acabou de morrer?

—Cada pergunta que você me faz, filha. Se Deus dá uma segunda chance a quem já morreu não sei dizer, mas enquanto você dormia recebeu dois telefonemas, o primeiro uma tal de Sara avisando que você tinha recebido uma segunda chance, que o recrutador foi demitido e a vaga de emprego seria tua. Alguns minutos depois o departamento pessoal da empresa chamou pedindo que você se apresentasse lá amanhã levando todos os teus documentos.


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